sábado, 24 de fevereiro de 2018

Medo de curar-se

Por absurdo que possa parecer, a hipótese de que uma pessoa permaneça tomada pelo medo de curar-se não é tão improvável que se confirme na prática. Na verdade, tal fato pode até servir como excelente álibi.  Um problema de saúde cairia, sob medida, adequado para representar um impedimento justificado ao uso normal das próprias capacidades, tanto perante aos outros como perante a si própria, uma vez que, caso se obrigasse a um trabalho ou ocupação mais exigente, se sentiria imensamente sobrecarregada, bem além das próprias forças sejam estas físicas e/ou mentais/emocionais/espirituais.

Colocando em dois pratos da balança: num, a doença e, noutro, o fantasma que representaria o enfrentamento de um trabalho formal, não é tão difícil entender o porquê de a pessoa preferir escolher o que estaria depositado no primeiro prato e não no segundo. Este seria mais condizente com a imagem que possui de si mesma e que traz em seu pensamento e em seu sentimento.

É evidente que ninguém, em sã consciência, declararia explicitamente de que é o medo que a está impedindo de curar-se. Socialmente, é inaceitável que alguém possa utilizar-se desse tipo de “malandragem”, apenas para ser poupado de um sofrimento que se lhe apresenta mais incômodo do que a própria doença.

O que foi dito até aqui, pensando a questão do medo da cura num indivíduo qualquer, pode também ser ampliado para o que acontece ou pode acontecer com os cidadãos, entendidos como coletivos: famílias; escolas; grupos sociais; pessoas de determinadas regiões de um país; um país em seu conjunto. Se a imagem que esses coletivos constroem em seus imaginários forem depreciativas: de não competência para o exercício profissional ou de uma maior autonomia, dificilmente não serão vítimas do próprio medo de enfrentarem os desafios de encararem situações que exijam maiores esforços e competências. 

A dificuldade que se apresenta neste nosso momento histórico de escassez de ofertas de trabalho, a demora de se poder conseguir algum emprego, a não possibilidade de encontrar outra colocação no mesmo nível salarial da que tinha antes, isso tudo pode gerar tanto constrangimento que não é tão difícil de a mente não criar um mecanismo de defesa no sentido de blindar o sujeito. O preço de uma situação como esta pode ser bem caro. As defesas caem e a possibilidade de se contrair alguma doença se torna ainda mais fácil. 

Postado por José Morelli

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Capturar orquídeas

No colégio em que estudei, havia uma floraria onde eram cultivadas, além de outras plantas, algumas espécies de orquídeas. Durante as férias, uma das atividades preferidas era a de capturar orquídeas nas matas. A experiência várias vezes repetida mostrava que: enquanto os olhos não se adaptavam ao ambiente, as orquídeas não se permitiam serem vistas. Era surpreendente como, depois dessa adaptação, elas iam aparecendo com mais facilidade, cada uma com seu colorido e formas próprias. Devidamente localizadas, subíamos nas árvores e destacávamos suas raízes dos troncos, retirando parte delas para que servissem como novas mudas.

Embora comparações nunca sejam totalmente aplicáveis, com relação ao reconhecimento de qualidades humanas, acontece fenômeno parecido com o que acabei de descrever a respeito do que acontece com as orquídeas. Notícias ruins costumam impactar mais o pensamento e a sensibilidade do que notícias boas. A audiência de programas que noticiam desgraças e catástrofes vem aumentando seus espaços nos meios de comunicação e sobrecarregando o imaginário da sociedade.

Não podemos deixar de “Capturar orquídeas” dentro de nós mesmos e nas pessoas com as quais interagimos. A mesma atenção que é necessária para a descoberta de lindas plantas, confundidas com os sombreados das copas das árvores, devemos ter ao voltar-nos nossa atenção em nós mesmos e nos outros, a fim de desvendarmos nossos lados bons e bonitos, valorizando-os. Equilibrando-nos entre as percepções do positivo e do negativo, apostamos na grandeza dos seres humanos e em suas capacidades, assegurando-nos de que somos potencialmente fortes para lançarmo-nos na vida sem medo, com otimismo e determinação.

Capturar orquídeas nos lugares mais inimagináveis nos inspira à arte do bem viver. O imediatismo nos impossibilita de descobri-las. Corremos o risco de desistir antes de encontra-las. Precisamos pairar nossos olhos sobre o mundo e sobre as pessoas, sejam elas quais forem: crianças, adultos ou velhos, brancas, negras, amarelas ou vermelhas, cultas ou incultas, elas todas trazem em si mesmas algum tipo de beleza digno de ser reconhecido e admirado. O reconhecimento das coisas boas, necessariamente, não nos impede de que também saibamos reconhecer o que se opõe ao bem e à beleza. Pelo contrário, esse discernimento nos dá mais capacidade interior de encará-los e enfrenta-los com mais objetividade e segurança.   

Postado por José Morelli