quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

“Quebrar arestas”

A sabedoria popular criou o provérbio: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
As corredeiras dos rios fazem com que lascas de pedras se desprendam, carregando-as consigo. Na medida em que estas se chocam umas com as outras e com os obstáculos encontrados nas margens e nos leitos profundos ou rasos dos rios, vão pouco a pouco quebrando suas arestas, arredondando-se em suas formas. Antes de as quebrarem, essas pedras são levadas pela correnteza com mais dificuldade e lentidão, por causa do maior atrito provocado por suas superfícies irregulares e pontiagudas. O arredondamento faz com que as mesmas ganhem mais leveza e velocidade. Estas são as contrapartidas pela perda das arestas.

A expressão “           quebrar arestas” também se aplica aos relacionamentos interpessoais. A vida humana pode ser comparada a um rio que leva. Quanto mais intenso é o relacionamento entre duas pessoas, maiores são as oportunidades destas se colidirem e de se quebrarem em suas próprias arestas, consideradas como defesas indevidas ou desnecessárias. A amizade, o namoro, o casamento, o relacionamento entre pais e filhos, entre irmãos, entre professores e alunos, entre colegas de escola ou trabalho, todos os relacionamentos inevitavelmente provocam tensões (atritos). Superfícies que se apresentem com maior dureza, podem resistir mais às colisões e permanecerem por mais tempo sem sofrerem alterações em suas formas. Deste modo, não se arredondam e continuam a atritar com as outras superfícies com a mesma morosidade. Com isso, não conseguem fluir como as outras, com a mesma leveza e rapidez.

As arestas não permitem muitas aproximações entre as pedras. Ao se chocarem, elas imediatamente se afastam umas das outras. São como espinhos que ferem e impedem de se encontrarem em suas partes mais essenciais. Homens e mulheres possuem arestas. Diferenças e semelhanças podem ser entendidas como ameaças à integridade física e moral por ambos. Dependendo de como essas diferenças são passadas de um para o outro, a compreensão das mesmas pode receber conotação construtiva ou destrutiva, transformando-se em arestas.

O rio e a vida levam. As pedras são carregadas juntamente com as águas rumo ao mar. Na aventura de se viver humanamente, quem “sabe perder”, permitindo-se quebrar as próprias arestas, não perde verdadeiramente. Consegue entender que, perdendo, aprimora-se, o que implica em ganhos maiores, tais como: maior intimidade e profundidade com os pares, maior leveza e rapidez para chegar ao objetivo.

Postado por José Morelli 

sábado, 16 de dezembro de 2017

Contemporaneidade

Dividimos os nossos tempos de vida com os de outras vidas, sejam estas experienciadas por pessoas, animais, plantas, lugares ou coisas em seus respectivos estágios de existência: somos todos contemporâneos daquilo tudo que está acontecendo efetivamente à nossa volta, perto ou longe. A realidade em sua total abrangência é imensa, incomensurável mesmo. Dependemos de toda essa contextualização para que possamos desenvolver-nos da forma como estamos conseguindo nos desenvolver em nossas capacidades humanas. Materialmente falando, somos comparáveis a um grãozinho de areia no conjunto de toda a materialidade do universo.

Mesmo sendo assim de dimensões tão insignificantes, temos a capacidade de reconhecer a nossa própria existência e daquilo tudo o que está à nossa volta. Temos a capacidade de reconhecer o tempo de demora da chegada à Terra da luz de uma estrela, que se encontra a milhões de anos luz de distância. Dividimos um mesmo tempo com essa luz que está se desprendendo de sua fonte geradora, neste exato momento: somos contemporâneos a esse desprendimento de luz que só chegará aqui num tempo que não sabemos quem poderá estar presente para recepciona-la e/ou assisti-la.

Nossa consciência nos coloca em consonância com o passado, com o presente e com perspectivas de futuro, próximo e remoto. O presente, por si só, já é de grandíssima profundidade em seu valor: a emergência dele propicia o surgimento de novas e novas vidas repletas de significados.

O passado histórico deixa marcas indeléveis nas trajetórias do presente. Carregamo-las em nossa consciência de maneiras consciente e inconsciente. Nada foi inútil e nada a ser construído deixará de ter sua utilidade e razão de ser. Somos todos inexoravelmente unidos uns aos outros e com a realidade contextualizada na qual nos encontramos profundamente inseridos.  

Postado por José Morelli

sábado, 9 de dezembro de 2017

Crucial

No dicionário do Silveira Bueno, encontramos as seguintes definições da palavra crucial: “que tem a forma de cruz”; “angustiante”; “mortificador”. Para identificar o momento mais difícil e decisivo de uma tarefa ou de um empreendimento, costumamos chamá-lo de crucial. Uma espécie de encruzilhada, em que as dificuldades como que “nos acuam num canto de  parede”, deixando-nos num “impasse”, numa “dúvida cruel”, “num quase beco sem saída”. Não sabemos se continuamos adiante ou se modificamos nossa trajetória, seguindo por outro caminho.

A cruz, no universo mental de nossa cultura judaico cristã, é carregada de significados. A cruz, por seu formato e, mais, pela utilização que teve no passado histórico e que ainda tem em nossos dias, permite-nos que lhe atribuamos uma série de referências. Se a imaginamos sobre o chão, suas direções podem indicar os quatro pontos cardeais: norte/sul; leste/oeste. Se a imaginamos erguida, suas direções podem apontar, verticalmente, para cima e para baixo (apontando para o mais alto dos céus e para as profundezas da terra) e, horizontalmente, para a direita e para a esquerda (simbolizando o tempo em seu passado e em seu futuro). O ponto em que as duas linhas se cruzam é, exatamente, aquele que caracteriza a cruz por sua condição de confluência/convergência: o momento presente.

“Angustiante”: é o segundo sinônimo que o dicionário apresenta. A possibilidade de abandonar o caminho já percorrido, só existe se surgir um novo caminho, que pode levar a lugares diferentes. Abandonar um e seguir outro é, quase sempre, angustiante. Sempre se perde alguma coisa, quando deixamos o certo pelo incerto, o conhecido pelo duvidoso. A perspectiva de outros ganhos ainda não parece garantida. A vontade de dar uma guinada para outra direção entra em conflito com a insegurança de vir a perder mais do que ganhar.

“Mortificador”: (de morte) – toda escolha implica em ganhos e perdas. Ganhar é o mesmo que viver e perder é o mesmo que morrer. A existência de mais um caminho e a possibilidade de escolhê-lo é liberdade efetiva. No entanto, escolher implica sofrimento. Bem que gostaríamos de poder querer e ter tudo. Porém, a experiência e a sabedoria popular, desde a muito, nos alertam para o risco de “em tudo querermos, tudo perdermos”. Esta é a condição da vida humana: a cada passo a ser dado, um novo risco de confrontar-nos com situações imprevisíveis.

Postado por José Morelli

                       

sábado, 2 de dezembro de 2017

Gravitar

A Terra gravita em torno do Sol, enquanto que a Lua gravita em torno da Terra. O verbo gravitar possui a mesma raiz da palavra gravidade. Lei da gravidade é a que rege a atração existente entre os astros e as estrelas. Por conta da gravidade é que se formam as grandes constelações, fazendo com que se mantenham em seus próprios formatos e, pelos quais, elas podem ser identificadas. Assim, é que são reconhecidas as constelações de Áries, Escorpião, Capricórnio e outras. A força de atração de cada astro é relativa à sua quantidade de massa. Quanto maior a quantidade desta, maior será sua força de atração. De maneira geral, astros menores gravitam em torno de astros maiores e não ao contrário. Aonde vai o maior, o menor acompanha.

Pelo que se pode observar, astros giram em torno uns dos outros. E as pessoas fazem o mesmo, gravitando, repetindo os mesmos movimentos em torno das mesmas coisas... Pode-se observar, também, que as pessoas, por costume ou acomodação, deixam-se atrair, permanecendo voltadas sempre para os mesmos focos de interesses. À semelhança dos astros e estrelas, pessoas, instituições, objetos, obrigações, alguns tipos de atividades, como o esporte, a leitura e outros exercem atração sobre os indivíduos, levando-os a concentrarem suas atenções, consumindo-os em suas energias.

Em algumas situações, crianças pequenas se grudam à saia da mãe, não querendo desgrudar de maneira alguma. Aonde ela vai, a criança vai junto. Quando existe algum perigo, quem procura a criança para protegê-la, não a deixando nem por um segundo, é a mãe. Nesses casos, a busca de maior segurança é a força de atração entre mãe e criança. A insegurança frente ao novo é um dos fatores que mantém as pessoas gravitando quase sempre em torno das mesmas coisas e das mesmas pessoas.

Existem aqueles que giram quase que exclusivamente em torno das novelas da televisão, dos noticiários, do ócio, dos afazeres domésticos, do trabalho, de algum vício, do futebol, do namorado ou namorara, do filho ou filha... Esquecem-se de si mesmos, de que têm vida própria, de que não são apenas satélites de algum outro astro maior, mas que podem ser mais livres, permitindo-se explorar outros espaços ainda não percorridos.

Postado por José Morelli


sábado, 25 de novembro de 2017

Somos todos paradigmáticos

O que quero dizer com isso? – Quero dizer que todos, sem exceção, cada um de nós ocupa, do lugar em que se encontra, seja socialmente, seja economicamente, seja intelectual e religiosamente ou pelas demais particularidades que envolvem o próprio existir, serve como referência, como termo de comparação para o entendimento e leitura do imenso quebra-cabeça que é a realidade dos caminhos históricos, que a humanidade em seu todo vem construindo neste seu momento de existência.

Todo caminho trilhado é antecedido de uma intencionalidade que o orientou e o orienta para esta ou para aquela direção. As visões de entendimentos de cada indivíduo compõem o pensamento mais amplo dos diversos grupos aos quais estes se entendem pertencerem. É a predominância dos pensamentos comunitários que pode influenciar nas novas direções a serem impressas no futuro que está por vir.

Quando ouvimos o Papa Francisco dizer que a Igreja Católica tem que ser pobre com os pobres e, ele mesmo dá seu exemplo pessoal de se voltar para os pobres se aproximando deles nos lugares onde se encontram, ele cumpre seu papel de ser o guia espiritual de todos os católicos cristãos, que se consideram seguidores de Jesus e de seu Evangelho.

Ao se aproximarem e se sensibilizarem com os mais pobres e desprovidos, os cristãos católicos ou não católicos se darão oportunidade de terem um olhar diferente. A vida em seu conjunto passará a ser entendida sob outra perspectiva. Novos rumos poderão ser dados ao que vem sendo entendido como desenvolvimento e progresso. A realidade apreendida a partir do prisma da riqueza e dos ricos não coincide com a daqueles a quem falta até mesmo o indispensável para poderem viver com um mínimo de dignidade humana.

O Papa vem insistindo que a Igreja saia de sua zona de conforto e se volte àqueles que vivem marginalizados da sociedade. A coragem necessária para essa saída pode ser o começo do começo da construção de uma nova humanidade, menos esquizofrênica e violenta, sem necessidade de tanto antagonismo e de tantos mecanismos de truculência e força para mantê-la subjugada e controlada. 

Postado por José Morelli

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Efetividade do afeto

Quando alguma ação é reclamada pelo afeto, é bem maior a probabilidade de que ela ocorra, mesmo que vá na contramão da razão. Normas, obrigações, proibições, princípios e outros imperativos que se impõem à inteligência vêem-se constantemente burlados pela afetividade. Alguma válvula de escape permite que essa energia encontre vazão, expressando-se de alguma forma.

O afeto é uma energia, força sensível que emociona e gratifica. Por maiores e mais convincentes que sejam as razões, se os sentimentos pendem para outra direção, os esforços se frustram ou o rendimento no sentido das obrigações fica seriamente comprometido.

A concentração do jovem que insiste “estudar” diante da televisão que transmite o jogo de seu time preferido, fatalmente ficará prejudicada em sua capacidade de entender e de reter a matéria a ser estudada naquela hora. O mesmo acontece quando uma paixão envolve o coração de alguém. O mais comum é que esse indivíduo consuma grande parte de seu tempo e de sua energia com o seu pensamento e interesse voltados para a pessoa amada, que é objeto de sua paixão.

Um casal que construiu laços de afetividade durante anos de convivência, exatamente por força desse sentimento, tenderá a emitir respostas consonantes ao mesmo, encontrando dificuldades para saírem dos esquemas e pactos já estabelecidos. A mesma coisa se pode dizer com relação à afetividade daqueles que construíram laços afetivos em grupos religiosos. A convivência, a amizade é, muitas vezes, mais forte do que motivos que atendam a lógicas racionais.

Já que as razões do coração são assim tão fortes, como intensificá-las e fortalecê-las? – As maneiras podem ser muitas. Dependendo de pessoa para pessoa, o que fala alto para uma pode não ser tão expressivo para outra. Na lógica do coração, nem sempre atitudes pacíficas representam a autenticidade dos sentimentos de maneira mais incisiva e verdadeira. A perda do controle, atitudes de indignação e de intolerância, certa agressividade dramático-trágica podem significar, com mais eficácia, a intensidade da dor que a ausência do afeto tem a capacidade de provocar.    

Postado por José Morelli 

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Gente

O sentido que se dá a esta palavra é o de uma pessoa verdadeira, que se faz merecedora de sua condição humana e que se diferencia dos outros seres não humanos, sejam eles anjos ou bichos. Gente não é nem mais nem menos, é na medida certa do que lhe faculta a própria natureza. Como tal, sabe colocar-se em seu devido lugar, não se perdendo em excessos megalomaníacos ou nanicos maníacos.

A noção de mundo dos que são e se percebem como gente tende a ser objetiva e equilibrada. O outro é tratado com igualdade na consideração e nos direitos e obrigações que possuem. As coisas são reconhecidas de acordo com uma hierarquia de valores, dependendo das circunstâncias de tempo e de espaço. Os seres vivos: animais ou vegetais recebem o respeito pela importância fundamental, que exercem no contexto da vida em suas múltiplas manifestações.

Não é fácil manter-se como gente sem que não possam ocorrer tréguas. Há momentos em que a tentação é de deixar de lado tudo o que se aprendeu de certo e liberar o lado bicho, que também existe em todo ser humano, transformando-se num genuíno irracional e comportando-se com igual ou maior brutalidade do que os mais ferozes dentre eles.

Ser gente é ter consciência da própria força e da própria fraqueza. Ser gente é experimentar a segurança e a insegurança de quem não nasceu onipotente, como se fosse um deus ou um quase deus. Etimologicamente, gente é o mesmo que originário da terra. Pode significar, também, cidadão, pessoa comum, tendo a mesma natureza e semelhança que todas as demais pessoas, existentes no planeta.

Viver a vida de gente é uma experiência única em possibilidades de trocas entre semelhantes. A coragem de se permitir confrontos abre para alternativas novas. O aprendizado de gente se dá na vida inteira. Quanto mais se vive, mais se aprende, A cabeça ajuda muito. Do que existe nos pensamentos dependem os rumos a serem seguidos. Fala-se muito, hoje em dia, de inteligência emocional. Gente é também emoção. Inteligência inteligente não deixa de lado as emoções, muito pelo contrário, estas são incluídas na percepção e entendimento das coisas e dos acontecimentos. É bom ser gente e aceitar-se como tal. Não existe outra maneira para se poder ser saudável e feliz.

Postado por José Morelli

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

“REMÉDIO VIVO”

Carência de vida, de felicidade, de resposta...
só se cura com vida, com “remédio vivo”.
Remédio-anseio,
remédio-ponte (passagem/mediação),
indicado para se obter o reencontro
com o sentido da própria realidade.

O Rosário feito de gente e remédio vivo
no aqui/agora:
seres humanos que se predispõem compartilhar a própria vida
com a vida de quem precisa de mais vida, melhor vida.

Remédio-gente,
para superação e cura de carências de vida humana.
Remédio-gente viva-fantasia:
resposta fundamental, necessária,
indispensável ao lenitivo da dor
e à superação do medo de sentir dor,
que paralisa a inteligência e a vontade.

Remédio-emoção-plenitude.
Tônico que encoraja enfrentar os riscos
de viver e de conviver, de gozar e de sofrer.
Com novos sentidos e perspectivas,
a vida ganha merecimento, dignidade e respeito.
Subjetividade e objetividade se encontram,
se desencontram e se tornam a encontrar... sucessivamente.

Remédio-sorriso-indignação-esperança.
Remédio-todos os altos e baixos humanos...
Remédio vivo interagindo com a vida: teste de vida.
Medo de fracassar, medo de magoar.
Trocas saudáveis, mutuamente justas.
Vidas com nomes e endereços... personalizadas,
identificadas, confiantes e confiáveis,
mutuamente cumpliciadas.

Remédio vivo-eficaz,
que chega onde está o mal, onde está a dor... que,
antes de suavizá-la, faz com que doa ainda mais.
Dor de reconhecimento, de enfrentamento,
de coragem/covardia (assumida ou negada),
de resolução e de solução.



segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Falar com os olhos

Não se trata de uma comunicação ruidosa, tal como a da voz que faz vibrar o tímpano de nossos ouvidos. As imagens transmitidas pelos olhares viajam na velocidade da luz, mais rapidamente do que as mensagens sonoras, emitidas pela voz. Aviões supersônicos existem, aviões que tenham velocidade mais rápida que a da luz ainda está longe de existirem, se é que um dia existirão.

Há quem diga que os olhos são as janelas da alma humana. Através deles, revela-se aquilo que cada um de nós carrega no íntimo do pensamento e do coração. Olhares se interpenetram. A profundidade dessa interpenetração é difícil de ser avaliada ou medida, tanto na veracidade como na falsidade das mensagens que transmitem: olhares dissimulados também são possíveis de acontecer e acontecem efetivamente.

Mesmo sendo silenciosos, os recados transmitidos pelos olhos possuem uma intensidade que, não raramente, é mais forte do que um grito. O olhar se aproxima ou foge. O olhar ri, pergunta, responde, suplica, insinua e se insinua. O olhar se enfurece, é capaz de acolher e de expulsar. A lista do repertório de tipos de mensagens dos olhares pode ser muito longa. Deixo ao leitor ou leitora a tarefa de enriquecer essa lista de possibilidades. A vida em sua trajetória permite a vivência de incontáveis experiências pessoais de comunicações dessa natureza.

Uma mensagem falada ou escrita cumpre seu papel de maneira singular, servindo à transmissão da educação e formação dos indivíduos e da sociedade em seu todo. “Oh! Bendito o que semeia livros...” Porém, a sutilidade do olhar também cumpre seu papel na formação da inteligência e das vontades. Em certas circunstâncias, a potencialidade do olho no olho é a que, sem gritos, mais se adéqua às necessidades, incluindo a da formação/educação das crianças, desde à primeira infância.

Postado por José Morelli


sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Postura física e/ou psicológica

O termo “postura”, em sentido próprio, refere-se ao corpo, à posição que este toma, perante as diversas situações em que o indivíduo se encontra na vida. Já, em sentido psicológico, esse mesmo termo se refere aos estados emocionais que, partindo do íntimo da pessoa, tende a se expressar através de condutas corporais. Sentimentos positivos, naturalmente, manifestam-se, no corpo, através de posturas altivas, inspiradoras de confiança e de autoconfiança. Neste caso, o externo ajuda o interno, colocando-o mais para o alto, mais para cima. 

Todo ser humano, para avançar na vida, precisa de um mínimo de positividade, uma certa dose de crença em si mesmo e no mundo em que vive. Simplificando, pode-se dizer que existem três posturas básicas, possíveis de serem adotadas perante as situações que a vida cria: a postura de quem se vê acima (e investe); a de quem se vê no mesmo plano (e troca); e, por último, a de quem se vê abaixo (e se esconde ou foge). Estas visões envolvem as idéias com que o indivíduo entende a si mesmo e à realidade com a qual se defronta e os sentimentos que lhe brotam do coração.

Corpo e espírito se entrelaçam. O que se manifesta exteriormente espelha o que acontece no interior, na alma, nos pensamentos e sentimentos. Viver se queixando e choramingando pelos cantos é pedir socorro, é colocar-se na posição de quem necessita de amparo, de quem não se vê capaz de resolver-se por sua própria conta e risco. 

Buscar, constantemente, alívio para os inúmeros incômodos, através de medicamentos (analgésicos e outros), confiando mais neles do que em si próprio, é adotar uma postura de quem se vê abaixo de tudo e de todos, destituído de força na própria vontade e querer

Postado por José Morelli

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Exatidão da matemática

Dois mais dois são iguais a quatro. Na matemática, as quantidades representadas pelos números são precisas: exatas. A quantificação é um fato inconteste da realidade, neste mundo material em que vivemos e nos relacionamentos que estabelecemos uns com os outros.

Vivemos constantemente envolvidos, queiramos ou não, com a realidade tal como ela é e não, como desejaríamos que ela fosse. O dinheiro, as medidas de peso ou de tamanho nos obrigam a condicionar-nos aos números. Nosso corpo é avaliado pelo peso, comparado à nossa altura. As dosagens de elementos, na composição do sangue, são medidas através de números de porcentagens. O momento temporal em que vivemos, também, é identificado com um número: 2017 (DC). Os meses, as horas, os minutos e segundos são quantificáveis numericamente... tudo o que nos cerca é passível de quantificação.

Pelo olhar do aspecto exato da vida é a matemática reinando e comandando. A pesquisa estatística retrata a “realidade/verdade” do momento histórico e dá manchete de primeira página nos jornais.Aprender matemática nem todos se reconhecem dotados dessa capacidade. Passar a ter afinidade com essa ciência. Conseguir entendê-la em sua maneira de ser. Descobrir lhe os mecanismos de funcionamento, sua maneira de ser lógica em suas conclusões, é algo muito gratificante e mesmo prazeroso. A matemática tem sua natureza própria. De acordo com essa natureza, ela não admite certo e errado ao mesmo tempo. Uma fração, por menor que seja, não pode ser desprezada no resultado. Se dividimos por 3 o número 100 na calculadora, veremos a fração se repetir infinitamente.

A matemática nasceu da necessidade da manipulação dos números. Essa manipulação sempre objetivou algum resultado concreto. Aprender as fórmulas abstratas da matemática, sem saber pra quê elas servem, para que fim devem ser utilizadas, é uma dificuldade a mais no seu aprendizado.
A matemática, também, por sua característica de exatidão, mostra um lado rígido da realidade. Essa rigidez nem sempre combina com o caráter da pessoa, com personalidade resistente a tudo aquilo que é demais impositivo, taxativo. Dói receber um zero por ter errado 0,1 por cento de um problema, depois de tê-lo acertado 99,90 por cento. Para abrir-nos ao aprendizado da matemática é preciso, em primeiro lugar, entende-la nessa sua rigidez e, assim, diminuir-lhe o sentimento de “bronca”, por ser dessa forma.

Reconhecendo-nos em nossa característica própria de personalidade, aceitando-nos e sentindo-nos firmes em nossa maneira de ser, podemos abrir espaço, em nós mesmos, para o aprendizado dessa ciência seja ela do jeito que é. Calmamente, procuraremos descobrir qual é a dela, como é a maneira dela ver e interpretar a realidade e em que essa sua maneira de ser contribui nos entendimentos da vida em seu todo.  

Postado por José Morelli

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Administrar conflitos

Tendo em vista a mania que temos de estabelecer competências, atribuindo-as a alguns “privilegiados da sorte”, acabamos por estabelecer incompetências para outros “não privilegiados dessa mesma sorte”. A necessidade de, pessoalmente, administrarmos conflitos se inicia antes de nascermos. Todo processo de desenvolvimento de nosso ser não deixa de obedecer à lei dos confrontos entre opostos. Somos reféns e consequência dessa contingência e nossa mente e coração (emoção) funcionam a partir desse condicionamento.

Kurt Lewin define conflito no indivíduo como “a convergência de forças de sentidos opostos e igual intensidade, que surge quando existe atração por duas valências positivas, mas opostas (desejo de assistir a uma peça de teatro e a um filme exibidos no mesmo horário e em locais diferentes); ou duas valências desagradáveis (enfrentar uma operação ou ter o estado de saúde agravado); ou uma a favor e outra contra o próprio interesse, ambas na mesma direção (desejo de pedir aumento salarial e medo de ser demitido por isso)”.

Alguns filmes tratam deste nosso tema, abordando-os de formas bastante originais e sugestivas. Um deles é “Fúria de Titãs”. Desenhos animados, destinados principalmente ao público infantil e adolescente masculino, abordam conflitos entre forças do bem e forças do mal, personificas das mais variadas formas.

De acordo com os ensinamentos de Salvatore Maddi, as forças antagônicas, com as quais todos permanentemente temos que nos envolver, podem ser exteriores a nós mesmos (conflito entre indivíduo e sociedade) ou internas a nós mesmos (forças conflitantes do interior do indivíduo que se dão, por exemplo, entre os impulsos de separação, individuação e autonomia os impulsos de integração, comunhão  e submissão)”.   

Os filmes acima citados não deixam de obedecer a uma didática. Eles não fogem do problema. Pelo contrário, colocam lente de aumento sobre eles. No entanto, sem dramatizarmos a questão, é importante que consideremos a administração de conflitos a partir do pressuposto do respeito e da consideração dos porquês: das causas que os engendram. Os conflitos fazem parte de nossa existência no mundo. Razões de um lado e de outro sempre existem e merecem ser devidamente consideradas e valorizadas.

Postado por José Morelli


terça-feira, 17 de outubro de 2017

Depositário

Depositário é aquele lugar onde colocamos nossas coisas: bolsa, casa, armário,... Pode ser, também, o lugar onde depositamos nossas ideias, fantasias e sentimentos. O papel em branco, por exemplo, no qual escrevemos ou desenhamos, pode ser o depositário de nossas inspirações e desabafos. Este, porém, apenas recebe o que nele colocamos, sem acrescentar nada, além daquilo que nele foi escrito ou desenhado. Ao olhá-lo depois, ele gentilmente nos devolve da mesma forma como nele nos expressamos.

Há momentos em que temos necessidade de encontrar uma pessoa, alguém que nos ouça, servindo-nos como depositário/a de tudo aquilo que está nos perturbando, alguém que nos acolha e àquilo que queremos confidenciar-lhe, dando-nos atenção e respeitando o que lhe dizemos, alguém que nos ouça sem pressa, não nos interrompendo, nem se precipitando em tecer comentários sobre aquilo que ainda não conseguimos dizer completamente e, menos ainda, em nos julgar e criticar, alguém que se mostre interessado em nos entender, fazendo-nos perguntas, se necessário, para que possamos nos explicar melhor.

Com isso, vamos nos organizando e conseguindo elaborar melhor nossas ideias. Percebemos que estamos sendo ouvido. Ficamos mais tranquilos. A tensão diminui. O emocional se apazigua. Vamos nos soltando. Conseguimos fazer fluir pensamentos e palavras com mais desenvoltura e facilidade. Recordamo-nos de coisas importantes, que nos ajudam a entender melhor nossos problemas atuais e passados. Vamos nos predispondo a ouvir o que vem do outro/a que se predispôs ouvir-nos com atenção e abertura.  

Nossa necessidade de contar e falar não precisa ser só de coisas desagradáveis e que nos incomodam. Existem coisas boas que precisamos dividir com quem consiga valorizá-las e reconhecer-lhes a importância que têm para nós, acolhendo-as como bons depositários destas. A boa aceitação destas coisas é, também, a aceitação da própria pessoa que as divide.

Recuperamos nossa autoconfiança a partir da confiança que depositamos em quem nos ouve. Precisamos do outro/a. Nele ou nela fazemos refletir a nós mesmos. Ficamos atentos para ver como é que ele/a nos é capaz de acolher e aceitar como somos ou nos encontramos. Se for capaz de aceitar-nos e de devolver-nos sem assustar-se conosco, reconhecendo-nos no que somos, no que pensamos e sentimos, sem fazer drama nem tragédia, ótimo!... A partir dele/a, conseguiremos somar algo muito bom, que nos sirva ao nosso crescimento em autoconfiança e em autoestima. 

Postado por José Morelli

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Contra fatos não há argumentos

Desde que um fato qualquer se concretize, tornando-se tangível às mãos e perceptível aos olhos humanos, fica difícil negá-lo de que tenha ocorrido e passado a fazer parte da história maior de uma coletividade.  O que resta possível é de que, por força da prerrogativa do livre arbítrio de que todos foram dotados pelo Criador, tal fato possa merecer uns cem números de interpretações, de acordo com os referenciais, contidos nos pensamentos e na consciência de cada cidadão ou cidadã em sua individualidade e pessoalidade.   

Uma sequência de acontecimentos se deram nestes últimos 300 anos: desde o dia 12 de outubro do ano de 1717 até os dias de hoje. Todos eles ocorridos numa mesma localidade pertencente à Vila de Guaratinguetá, na região do Vale do Rio Paraíba do Sul. O porto próximo em que os três pescadores se encontravam era chamado pelo nome de Itaguaçu, palavra indígena que significa Pedra Grande.

No caso do encontro da imagem de Aparecida, representativa de Maria, Mãe de Jesus dos Evangelhos, os pescadores que protagonizaram o acontecido chamavam-se: Domingos Garcia; Felipe Pedroso e João Alves. Deles foi o testemunho de que, depois de terem tentado pescar durante toda a noite, aconteceu-lhes algo inesperado: ao recolherem a rede encontraram o corpo de uma imagem, sem a cabeça.  Ao lançarem-na mais uma vez, veio a cabeça que faltava. A pesca que se seguiu a esse fato foi surpreendentemente abundante.

Num tempo em que as notícias só chegavam através do boca à boca, ainda assim elas não demoraram tanto para se espalharem até os mais recônditos lugares. Relatos de acontecimentos significativos serviram de alento ao povo simples e carente de ajuda. Muitos, ao ouvirem tais relatos, passaram a considera-los expressão de um cuidado especial de Deus junto aos mais desprotegidos da sociedade.

Em 16 de maio de 1978 essa mesma imagem sofreu um atentado, ficando despedaçada em 165 pedaços sendo que a cabeça foi reduzida a fragmentos milimétricos. Os fragmentos quase em pó foram juntados com uma cola, à base de epóxi. A imagem resultante desse restauro já não é exatamente a mesma de quando foi trazida na rede pelos pescadores. Ela agregou mais um dado histórico, susceptível de novos entendimentos sobre seus possíveis e impossíveis significados. 

Postado por José Morell

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Alegria expressa na cultura de um povo

Desde os tempos da Grécia antiga, já havia uma palavra especial que servia para se referir à alegria. Trata-se da palavra eutrapelia, que significa virtude da alegria. De acordo com o pensamento grego, a alegria é uma virtude, um valor, uma importante qualidade da alma humana.

Das principais culturas que formaram historicamente o povo brasileiro (indígena, européia e africana), as três expressam alegria; porém a que mais se sobressai nesse quesito é, sem dúvida, a cultura que nos foi trazida pelos africanos, que aqui aportaram como escravizados. Não que muitos deles não tenham morrido de tristeza, exatamente em consequência da violência e da desumanidade com que foram tratados. No entanto, os que sobreviveram e deixaram aqui descendentes conseguiram manter a altivez, mesmo frente aos trabalhos mais pesados. São conhecidas canções que costumavam cantar enquanto se dedicavam aos serviços mais duros: plantios e colheitas da cana de açúcar ou do café, socar o pilão e peneirar a farinha, além de outras.

O gosto pelas festas populares e públicas, pelos ritmos candentes, pelas danças, pelos coloridos vivos das roupas impregnou e, ainda hoje, consegue impregnar o sentimento brasileiro e de todos os que escolheram este nosso chão para nele trabalhar e viver.  

Essa alegria cultural não se restringe ao profano; mas envolve também o religioso. As festividades do catolicismo, transmitido pelos colonizadores portugueses, foram enriquecidas com manifestações; nas quais, a criatividade do povo simples conseguiu expressar sua maneira de entender e de sentir a própria fé. Grupos de congadas, folias, moçambiques, marujadas, maracatus possuem origem religiosa.

Há dezesseis anos, as festas do Rosário da Penha têm sido a expressão dessa cultura popular religiosa. O bairro da Penha, na cidade de São Paulo, tem se tornado referência. O bom êxito, aqui, anima outras comunidades da região e de toda a cidade. A comunidade promotora dos festejos vem realizando celebrações na igreja do Rosário em todo primeiro domingo de cada mês.

Postado por José Morelli 

Medo da cura

Por absurdo que possa parecer, a hipótese de que uma pessoa permaneça tomada pelo medo de curar-se não é tão improvável que se confirme na prática. Na verdade, tal fato pode até servir como excelente álibi.  Um problema de saúde cairia, sob medida, adequado para representar um impedimento justificado ao uso normal das próprias capacidades, tanto perante aos outros como perante a si própria, uma vez que, caso se obrigasse a um trabalho ou ocupação mais exigente, se sentiria imensamente sobrecarregada, bem além das próprias forças sejam estas físicas e/ou mentais/emocionais.

Colocando em dois pratos da balança: num, a doença e, noutro, o fantasma que representaria o enfrentamento de um trabalho formal, não é tão difícil entender o porquê de a pessoa preferir escolher o que estaria depositado no primeiro prato e não no segundo. Este seria mais condizente com a imagem que possui de si mesma e que traz em seu pensamento e em seu sentimento.

É evidente que ninguém, em sã consciência, declararia explicitamente de que é o medo que a está impedindo de curar-se. Socialmente, é inaceitável que alguém possa utilizar-se desse tipo de “malandragem”, apenas para ser poupado de um sofrimento que se lhe apresenta mais incômodo do que a própria doença.

O que foi dito até aqui, pensando a questão do medo da cura num indivíduo qualquer, pode também ser ampliado para o que acontece ou pode acontecer com os cidadãos, entendidos como coletivos: famílias; escolas; grupos sociais; pessoas de determinadas regiões de um país; um país em seu conjunto. Se a imagem que esses coletivos constroem em seus imaginários forem negativas: de não competência para o exercício profissional, dificilmente não serão vítimas de seu próprio medo de enfrentarem os desafios do mundo do trabalho. 

A dificuldade que se apresenta neste nosso momento histórico de escassez de ofertas de trabalho, a demora de se poder conseguir algum emprego, a não possibilidade de encontrar outra colocação no mesmo nível salarial da que tinha antes, isso tudo pode gerar tanto constrangimento que não é tão difícil de a mente não criar um mecanismo de defesa no sentido de blindar o sujeito. O preço de uma situação como esta pode ser bem caro. As defesas caem e a possibilidade de se contrair alguma doença se torna ainda mais fácil. 

Postado por José Morelli

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Asas à Imaginação

Os seres humanos não possuem asas como as aves e as borboletas; mas, nem por isso seus pensamentos deixam de proceder como se as tivessem. Com elas, a capacidade imaginativa do homem é capaz de voar como os pássaros que, em bando, cruzam velozmente o céu indo ao chão, a um telhado, escondendo-se entre as folhas verdes de uma árvore qualquer ou como borboletas que, num piscar de olhos, passam de flor em flor.

O destino humano não poderia se prender apenas a ciscar o chão como as galinhas. Santos Dumont perseguiu seu sonho de voar até conseguir realizá-lo. A insatisfação serviu-lhe como estímulo à sua criatividade e inventividade. Por não ser completo, o ser humano tende sempre a buscar mais, a superar-se. Esta tem sido a força motriz do progresso, caminho irreversível trilhado pela humanidade, em todas as áreas do conhecimento.

Os desafios que se apresentam todos os dias precisam de muita imaginação para que possam ser superados. A valorização da capacidade de imaginar, de dar asas ao pensamento, num sentido construtivo, é imprescindível nos dias de hoje, tão cheios de impasses frente aos graves problemas que indivíduos e sociedade enfrentam.

Da imaginação é preciso se passar à ação. Da liberdade é preciso se passar à realidade. O direito de um termina quando se confronta com o direito de outro. Até os pássaros possuem um sistema de controle ao qual cada um deles responde imediatamente. Em seus vôos, eles se mantêm equidistantes uns dos outros, ao fazerem curvas e ao controlarem a própria velocidade. Com os cidadãos e cidadãs acontece de maneira semelhante. Quanto maiores os avanços, mais complexas e exigentes serão as relações humanas. Com a imaginação, dotada de potentes asas, indivíduo e sociedade podem expandir seus repertórios de respostas, a fim de atenderem às demandas de cada novo momento.

Postado por José Morelli

Encontro de gerações

Naquela foto, tirada em 1.911, estavam retratados: o casal, acompanhados de suas primeiras quatro filhas, nascidas até aquela data. Sabe-se que, depois, vieram ainda mais sete filhos homens e mais duas mulheres. O primeiro dos homens já se encontrava em gestação. No retrato, em branco e preto, adultos e crianças vestem-se com discrição e elegância, de acordo com o costume da época.

Maria Cruvinel é o nome da menininha, que se encontra de pé com a mãozinha apoiada no joelho da mãe. Hoje, ela está com 95 anos (quando da feitura deste texto). Sua cabeça está ótima, podendo contar histórias que ouviu ainda em sua infância sobre seus pais e seus avós. As feições dela, na foto, se assemelham a de uma de suas bisnetas que, no momento, se distrai jogando baralho com sua irmã mais velha. Na sala, além das visitas, se encontram ainda a filha e a neta de dona Maria, respectivamente, avó e mãe das meninas que se distraem brincando.

Dona Maria é incentivada pelas visitas a relatar algumas de suas histórias. Mesmo com o pouco volume de sua voz, todos os que se encontram na sala conseguem escutá-la. Conta de sua avó, falando de sua coragem e de como enfrentava os problemas daqueles tempos difíceis... quando seu marido trabalhava em garimpos no estado de Goiás, quando os índios invadiam as terras onde moravam, tendo que irem se refugiar numa fazenda, cujo proprietário e outros que tentaram morar nela diziam ser a casa assombrada, quando, anos depois, vieram morar em São Sebastião do Paraíso, tendo ficado viúva e enfrentado muitas dificuldades.

Relatou que, antes de irem para a fazenda em Goiás, seu avô perguntou à sua avó se ela não tinha medo de ir morar numa casa que diziam ser assombrada, ela respondeu: “não tenho medo de nada, por que para me defender de meus inimigos invisíveis, tenho minhas boas orações e, para me defender de meus inimigos visíveis, tenho minha arma de fogo” (uma velha espingarda). Contou como ela desvendou o segredo do que todos diziam ser assombração. Tratava-se de um negro fugitivo que vinha buscar alimento dentro da casa. Sem que chegasse a conhecê-lo, alimentou-o durante 15 anos. Quando ele deixou de vir, sentiu-se liberada para mudar-se para outro lugar onde os filhos, já em idade escolar, pudessem estudar. Histórias de índios e de escravos fugitivos fazem com que se possa voltar para outros tempos, com características muito diferentes das de hoje. As bisnetas também ouvem e guardam as lembranças dessas histórias, projetando-as para o futuro. Talvez, um dia, poderão contá-las para seus filhos, netos e até bisnetos, estabelecendo sempre novos reencontros, geração a geração.     

Postado por José Morelli

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Reciclar

Reciclagem é o processo de conversão de desperdício em materiais ou produtos de potencial utilidade. Esta pode ser uma definição bem abrangente do que significa o verbo reciclar. A forma reflexiva dele também é utilizada com relativa frequência: “eu me reciclo, tu te reciclas, ele se recicla, nós nos reciclamos, vós vos reciclais, eles se reciclam”. 
Os desafios do dia a dia nos servem de matéria prima de nossas construções pessoais. Para podermos corresponder às necessidades que a vida nos impõe, precisamos nos reciclar constantemente. Na medida em que vamos vivendo, a vida mesmo vai nos dando meios para que nos transformemos, adaptando-nos às novas situações e habilitando-nos a fim de melhor gerenciá-las. A maioria das pessoas não é como pratos rasos, incapazes de conter alguma coisa. Cada pessoa precisa descobrir o dom com que a natureza a contemplou, desenvolvendo-o o quanto possível, desde que lhe seja dado oportunidade.

Colocadas essas ideias, já podemos aplica-las a uma realidade concreta que nos salta aos olhos. Um simples passeio pelas ruas que circundam as imediações do Largo do Paissandu, no centro da cidade, é suficiente para nos depararmos frente a um verdadeiro inferno dantesco. Prédios com arquiteturas mais antigas e com estruturas de incontestável qualidade, bem como outros, não tão antigos, se transformaram em imensos amontoados de sucatas. As pichações os recobrem de cima abaixo. Uns estão vazios e outros já foram ocupados por moradores de movimentos de sem teto.

É flagrante que a indústria da miséria impõe ali suas regras. Seria mesmo verdade que existe um déficit habitacional na cidade de São Paulo?... As estatísticas levam em conta esse potencial já construído a ser utilizado?... Até quando essa deterioração de áreas tão centrais vai continuar?... Aquilo que já foi bom um dia teria se transformado no mico da vez?... O que deveria vir antes: a reciclagem dos prédios ou a reciclagem das pessoas que anseiam por um teto? ... E se essas reciclagens viessem as duas ao mesmo tempo, uma ajudando a outra em suas reconstruções?...

Em princípio, o processo de reciclagem reduz o consumo de matérias-primas e de utilização de energia, diminuindo a poluição do ar e da água. O direito de propriedade motiva as pessoas. A quem é dado segurança quanto à posse de um bem cresce sua motivação de cuidar dele e de valorizá-lo cada vez mais. 

Postado por José Morelli

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O Jogo do Afeto

Afeto é um afago, um carinho, uma atenção, uma amizade, um amor. Pode ser manifestado de muitas maneiras por homens e mulheres. Existem maneiras mais masculinas de dar e receber afeto e maneiras mais femininas de manifestá-lo ao dar e ao receber. Desde os primeiros  momentos da vida, o jogo do afeto começa a ser praticado pelos bebês. Ao terem atendidas suas necessidades básicas de sobrevivência, o recém-nascido já estabelece suas primeiras trocas afetivas.

A falta de afeto, nessa fase da vida, deixará marcas profundas na pessoa, como vem sendo confirmado através de muitas pesquisas. O afeto é importante, também, na fase da adolescência, quando o jogo se amplia, expandindo-se para além dos limites domésticos, desafiando o adolescente a conquistar novos ambientes, novas aceitações. 

O sucesso, na aprendizagem escolar, não depende somente da capacidade intelectual. As relações afetivas, também, podem facilitar ou dificultar a aprendizagem. Um professor dedicado e atento pode contribuir positivamente no interesse dos alunos pela matéria que ensina. O contrário também acontece. Um professor antipático dificulta o aprendizado do que transmite. O afeto nasce dos pensamentos e dos sentimentos. Destes, como de um copo cheio, o afeto transborda para o corpo todo: para os olhos, para a boca, para os gestos,... O afeto é gratificante para quem o dá e é gratificante para quem o recebe. 

Mesmo quando é expresso através de atitudes ou palavras mais duras, desde que verdadeiras e plenas de interesse pelo bem da pessoa, a quem são dirigidas. Ainda assim, o afeto não deixa de ser gratificante, se não for no momento em que é expresso, o será em outro, algum tempo depois, quando o sentido daquilo que se fez ou se disse, poderá ser visto e compreendido melhor, com mais amplitude e objetividade.

O afeto está na vida das pessoas e na natureza. Esta última foi constituída para brindar as pessoas com carinho. Dela provém além do necessário, para que homens e mulheres possam viver com saúde e felicidade. Uma roseira, com a beleza de sua flor e a agudeza de seus espinhos, resume a autenticidade da natureza, na forma como ela costuma se apresentar: dando-nos a flor, mas cuidando de se proteger, espetando com seus espinhos, as mãos de quem se aproxima sem o devido cuidado e atenção.

Postado por José Morelli


quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O Emergir do Inconsciente

Freud comparou o consciente e o inconsciente, respectivamente, à parte visível e à parte submersa de um iceberg, uma vez que, como se sabe, o tamanho da parte submersa é muitas vezes maior do que o da parte visível, fora d’água. Nada impede, portanto, de que se possa utilizar a expressão “emergir do inconsciente”, quando se deseja dizer que este vem à tona, elevando-se até o plano do consciente. O inconsciente está mergulhado em camadas profundas do psiquismo humano; não podendo se transformar em consciente, por força de algum ato deliberado da vontade.

O fato de certos conteúdos, objetos de desejos ou de medos, estarem de forma inconsciente, na mente, não implica de que não exerçam grandes influências na conduta dos indivíduos. Por terem “presenças desconhecidas ou camufladas”, exercem seus poderes, sem que se possa ter qualquer controle, podendo dispor de certa liberdade, de acordo com os meios que dispõem para virem à tona e intervirem nas condutas das pessoas. Dentre esses meios, merece destaque, os sonhos, por terem sido muitíssimo estudados.

Alguns sonhos revelam que pessoas comuns podem ser equiparadas a “exímios diretores cinematográficos”. Ao sonhar, a mente humana é capaz de construir cenas incríveis, inventar histórias, criar personagens, roteiros, cenários, iluminação, sons e símbolos, capazes de mobilizar sentimentos e sensações, dando-lhes, assim, oportunidade de se integrarem ao consciente. Os sonhos podem expressar mensagens e segredos íntimos, reveladores de desejos ocultos e de medos, burlando toda censura existente em estados de vigília.

Além dos sonhos, atos falhos, trocas de nomes de pessoas, palavras ditas aparentemente sem nexo algum, certos “esquecimentos” de compromissos revelam o inconsciente: aquelas verdades difíceis de encarar e que não se desejaria, em hipótese alguma, que viessem a ser reveladas.

Através da livre-associação, ligando idéias umas às outras, mediante palavras especialmente escolhidas, sem que se deixe tempo para pensar, é possível se chegar a descobertas profundas do que povoa o inconsciente. Nada é à toa. Tudo tem sua razão de ser. O acesso ao inconsciente pode ajudar a desvendar segredos importantes, peças que faltam para completar a montagem desse “quebra-cabeças”, de que é feito a vida humana.

Postado por José Morelli


terça-feira, 12 de setembro de 2017

“Não-diretividade”

Dependendo das circunstâncias e da condição emocional em que se encontram, os pais poderão adotar para com o filho ou filha, que se encontra em alguma dificuldade, não uma postura diretiva, mas um posicionamento não-diretivo. Atuam não-diretivamente os pais quando, no lugar de raciocinar e decidir pelo filho, ajudam-no a pensar e a concluir o raciocínio por si mesmo. Fazem isto através de uma atitude de quem não tem respostas prontas e mediante formulação de perguntas, que permitam ao filho a utilização dos próprios referenciais, assumindo responsabilidade sobre os caminhos que deseja seguir. Em vez de os pais se apressarem em oferecer fórmulas feitas, a não-diretividade recomenda-lhes que acreditem nas capacidades do filho. É diretivo o pai ou mãe que pensa que só ele (a) sabe o que é bom e o que é ruim. Não explica ao filho o porquê de seus princípios e valores. 
Não contribui, assim, para que o filho tire conclusões a partir do que lhe já traz em si.

O medo, a ansiedade, a falta de confiança em si e no filho são empecilhos a uma atitude facilitadora para que o mesmo adquira autonomia de pensamento e de decisão. Quem tem sempre muita pressa, quem vive com medo de que o erro não tem remédio, não o aceitando como instrumento do saber, não consegue permitir o desenvolvimento do filho, de uma forma gradativa, a partir de suas próprias vivências e experiências.

A não-diretividade não é o abandono do filho a si mesmo, na hora em que este tem que enfrentar alguma dificuldade que lhe é intransferível. Os pais não-diretivos não abdicam de suas obrigações, exigidas pelo papel que desempenham junto aos filhos. Pelo contrário, através de sua coragem, realizam de uma forma mais apropriada aquilo que a palavra “educar” significa que é o de: conduzir a partir do interior do próprio educando. 

A não-diretividade deve ser uma postura profunda e constante, que exige muita observação e muita atenção. Para ajudar o filho a pensar e saber decidir é preciso estar próximo dele, percebê-lo, contribuir com ele para que saiba situar-se em seu contexto, questioná-lo quanto ao que está pensando e sentindo, permitindo-lhe, assim, que descubra quais são os múltiplos fatores que o estão condicionando. Agir não-diretivamente é interessar-se pelo que de melhor existe no filho como uma forma de querê-lo bem em sua integralidade, de reconhecê-lo em seus lados fortes. 

A não-diretividade é uma aposta nos aspectos mais positivos do filho, mesmo que estes aspectos estejam cercados e protegidos pelo medo ou pelo comodismo. Para se saborear o gosto da castanha é preciso tirá-la de sua casca, sempre protegida com muitos espinhos. De forma parecida, algumas grandezas do espírito humano só são descobertas, quando as resistências são vencidas e os espinhos retirados, mesmo correndo risco de, eventualmente, machucar-se com algum deles.

Postado por José Morelli


quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Fobias

O dicionário “Aurélio” diz que fobia vem da raiz de uma palavra grega, cujo sentido é temer. O termo fobia é utilizado para designar diversas espécies de medo mórbido: horror instintivo a alguma coisa;  aversão irreprimível. O número de fobias é quase infinito. Os dicionários médicos assinalam muitas centenas. O medo de altura, por exemplo, é chamado de acrofobia; claustrofobia é o medo de estar em lugares fechados, como elevadores, casa que tem uma única porta, banheiros, etc.; agorafobia é o medo angustiante de lugares públicos e grandes espaços descobertos; é também, uma fobia a aversão por estar no meio de muita gente, o medo exagerado de chuvas fortes ou de se distanciar da própria casa e de pessoas em quem acredita dar-lhe segurança.

Muitas vezes, as próprias pessoas fóbicas percebem, que não existe proporção entre o que sentem e o que dizem provocar-lhes medo tão incontrolável. Percebem que o mesmo não acontece com a maioria das outras pessoas. Isso faz com que se sintam constrangidas, não conseguindo se justificar  perante si mesmas e perante os outros. Sentem-se envergonhadas e diminuídas, solitárias em seu sofrimento, não acreditando que possam contar com a solidariedade e compreensão sincera de ninguém.

A maior parte das fobias têm origem em experiências traumáticas vivenciadas, quase sempre, na infância. Essas experiências ficam no inconsciente, como que esquecidas. A dificuldade de lembrá-las é causada por um mecanismo de repressão e de defesa. Vergonha e culpa ficaram intimamente associadas a essas experiências, dificultando-as de tê-las de volta à consciência. Mesmo incomodando, o medo fóbico serve como defesa. É preferível conviver com ele, do que  enfrentar a conscientização da experiência traumática que lhe deu origem.

Acontece, às vezes, de o objeto da fobia mascarar outros conflitos, existentes na pessoa. Nestes casos, é preciso decifrá-lo para entendê-lo. O objeto fóbico teria alguma proximidade simbólica com o que verdadeiramente causa a fobia. O medo de facas, por exemplo, pode simbolizar o desejo inconsciente e reprimido de liberar o ódio e a agressividade contra o irmãozinho menor, que veio roubar-lhe a exclusividade do afeto, monopolizando a atenção de todos.

Postado por José Morelli


segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Introversão/extroversão

Versão é o mesmo que direção, orientação. Intro indica que a direção é para dentro. Extro indica que a orientação é para fora. Cada pessoa funciona de acordo com sua tendência própria. Os chamados introvertidos se voltam mais para o próprio interior; enquanto que os extrovertidos têm mais facilidade de se voltarem para o mundo, para os outros. Estas são características inerentes à personalidade de cada indivíduo.  Maneiras diferentes e opostas destes projetarem o próprio ser, o que implica em facilidades e dificuldades para a realização de algumas coisas, de acordo com os significados que lhes são atribuídos.

O introvertido tem mais facilidade de usar sua energia em ações que o isolam, o protegem. Sua mente elabora, reflete, aprofunda o que percebe. Seus sentimentos acompanham seus pensamentos, levando-o a refugiar-se em seu próprio aconchego.  Seus músculos se retraem, dificultando-lhe que realize gestos que o exponha perante aos outros. O introvertido desenvolve habilidades de manejar mecanismos de defesa, que o permitam sentir-se minimamente seguro em tudo o que faz ou deixa de fazer.

Por outro lado, o extrovertido tem dificuldade de centrar-se em si mesmo. Seu pensamento viaja, percorrendo os lugares por onde passa. Sua atenção se perde nos outros, fazendo-o deixar-se de lado, esquecendo-se de si mesmo. Quanto aos seus sentimentos, estes também acompanham os pensamentos, da mesma forma como acontece com os introvertidos, só que com sensações opostas: o que inspira segurança a uns não inspira a mesma segurança a outros e vice-versa. O comportamento dos músculos do extrovertido facilita os movimentos para que estes sejam amplos e expressivos. Não têm medo de se expor perante aos outros. Olham olho no olho, falam com liberdade, gritam ou mesmo xingam, se acharem que devem fazê-lo.

A maneira de ser de cada pessoa exige-lhe que pague um preço. Introvertidos e introvertidos ganham e perdem por serem do jeito que são. É preciso deixar claro, porém, que ninguém é só introvertido ou só extrovertido. Essas duas tendências sempre se misturam em cada um. Elas até mesmo brigam ou dialogam entre si, dividindo a pessoa e levando-a a viver pequenos e grandes conflitos. Dessas brigas consigo mesmas, as pessoas conseguem evoluir e aprimorar a própria personalidade. Erram aqueles que se apegam ao próprio modo de ser, dizendo: “Eu nasci assim e vou morrer assim!” Falando dessa forma, fecham as portas a qualquer mudança ou progresso na própria capacidade de responder às demandas da vida.

Postado por José Morelli

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Espontaneidade

Uma qualidade de nossas ações, que revela o quanto somos ou estamos bem física e emocionalmente, é nossa espontaneidade. O movimento livre e harmonioso de nossos braços, de nossas pernas, de nossos olhos, de nossa boca (ao falar, cantar ou rir), de nosso corpo todo, a liberdade com que fluem nossos pensamentos, permitindo que nos manifestemos, com agilidade e de maneira adequada, sem enroscos, revela o bom estado de saúde em que nos encontramos.

A observação da espontaneidade e desenvoltura física e mental, portanto, é um meio para medirmos as condições de equilíbrio e de saúde de uma pessoa, bem como de seu desenvolvimento em cada etapa de sua vida.

O ambiente em que vivemos influencia na maneira como estruturamos nossa personalidade. Podemos adaptar-nos a ele ou adotar uma atitude reativa, comportando-nos de forma contrária à que ele apresenta ou impõe. Se nos damos a chance de conviver e interagir com pessoas que têm maneiras diferentes de pensar e de se comportar, podemos aprender com cada uma delas, assimilando naturalmente aquilo que gostamos e que combina com o nosso jeito de ser. Ampliamos assim nossa capacidade de responder às situações que, no futuro, nos esperam e teremos que enfrentar.

Ambientes em que predominam o fechamento, o medo e o preconceito não facilitam o desenvolvimento da espontaneidade. As crianças que neles crescem e vivem tendem reproduzir os mesmos modelos, encontrando dificuldades para se desembaraçarem, a não ser que consigam reagir drasticamente. Neste caso, correm o risco de não encontrarem o ponto de equilíbrio, que lhes permitiria de não se excederem. Fazem como o cavaleiro medroso que, ao subir no cavalo, por causa da ansiedade, não consegue firmar-se sobre ele, caindo do outro lado.

Cultivar a espontaneidade, exercitando-se para soltar o corpo é uma excelente proposta. Mais espontâneo e liberto, nosso corpo pode levar-nos a uma desenvoltura maior de nossa mente e de nossos sentimentos. O jogo e o brinquedo também podem nos ajudar nesse sentido. A maior parte das crianças pequenas são, naturalmente, espontâneas. Os receios e controles dos adultos não chegaram, ainda, a contaminar suas cabecinhas e seus corações. Brincar com os pequenos, envolvendo-se em suas atividades, ouvindo o que dizem, rindo e participando com eles, pode nos ajudar a tornar-nos mais flexíveis, espontâneos e, consequentemente, mais sadios.

Postado por José Morelli


quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Filosofia da fotografia

Mesmo que a filosofia, em seu sentido literal e próprio, seja um atributo reservado apenas à capacidade intelectiva da mente humana; acredito que, em sentido simbólico, essa mesma palavra possa, também, ser atribuída à fotografia.  Quem lê um livro de filosofia apreende seu conteúdo filosófico. Quem capta, com os olhos, uma imagem fotográfica, de forma semelhante, tem condições de apreendê-la e de remetê-la ao cérebro em sua total abrangência.

As duas palavras: filosofia e fotografia são de origem grega. A primeira pode ser traduzida por: amor à sabedoria e, a segunda, por: escrita ou imagem produzida pela luz. Desde que uma imagem fotográfica não seja modificada por meio de artifícios que a façam alterarem suas formas, ela transmitirá com maior ou menor fidelidade o momento em que se deu sua tomada.

Ao fotografar, quem o faz estabelece um diálogo imediato com a realidade fotografada. Da mesma forma, as imagens retratadas dialogam com aqueles que as observam, dando-lhes a possibilidade de conversarem intimamente com o todo fotografado e com cada uma de suas partes, interpretando-as ao seu bel prazer. Os olhos captam as imagens enquanto que a mente vai aprofundando seus infindos entendimentos.

A facilidade com que, hoje, tantas e tantas pessoas podem retratar realidades através da fotografia, até mesmo mediante a utilização de celulares, tem democratizado esse diálogo da fotografia de maneira incomensurável. O mundo inteiro compartilha imagens fotográficas nas redes sociais principalmente. É inimaginável o quanto esses compartilhamentos podem contribuir dinamicamente para a construção de novos e novos entendimentos da realidade, tanto em benefício das pessoas como da sociedade em seu conjunto.

Postado por José Morelli

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Reminiscências do útero

No começo de nossa vida, permanecemos durante sete/nove meses no útero de nossa mãe. Foi um período de desenvolvimento intenso, em que as células foram se multiplicando e formando todos os órgãos do nosso corpo. A ligação com nossa mãe era tão envolvente, que não nos percebíamos como um ser separado dela.

A partir de um dado momento, as emoções vividas por nossa mãe foram, também, transferidas para nós, através do hormônio da adrenalina, lançado na corrente sanguínea e que circulava tanto nas veias e artérias de nossa mãe, como em nossas. Mesmo que não tenhamos lembrança consciente dessa fase de nossa vida, isso não significa que ela não esteja, inconscientemente, de alguma forma registrada no arquivo de nossa mente.

Estivemos totalmente envolvidos no útero. A temperatura do líquido amniótico, que nos circundava era a mesma do nosso corpo. As sensações de proteção, conforto e prazer, relacionadas ao útero, ficaram marcadas como profundamente agradáveis.

Ainda hoje, essas sensações exercem uma forte atração sobre nós, pelo que elas representam de segurança e proteção. Representam, também, a prova de que somos aceitos, desde que nada contrário nos seja passado, através de fatos e emoções negativas. Sentimos quando fomos correspondidos em nossas necessidades de aceitação.

O relacionamento sexual pode possibilitar-nos recuperar as sensações que tivemos no útero. Para o homem, o caminho de volta ao útero é o ato sexual. Através dele, sobrevém-lhe novamente o prazer de estar envolvido, protegido, tendo alguém junto. A mulher, na relação sexual, é aquela que envolve, protege. Através da relação, sobrevém-lhe o prazer de se sentir com o outro, de ser aceita, de aceitar e de poder aceitar-se.

Postado por José Morelli

Ser espelho

O espelho recebe e devolve as imagens nele projetadas. Essas imagens são re-fletidas: vão e voltam. Os vidros transparentes e as lentes deixam passar as imagens em linha reta ou desviando-as para outras direções. O espelho reflete as imagens invertendo a posição: o que está na direita passa para a esquerda e, o que está na esquerda passa para a direita. É por isso que as palavras “ambulância”, “bombeiro” e “polícia” são escritas invertidas, na parte da frente dos veículos, para poderem ser lidas corretamente, através dos  espelhos-retrovisores dos carros que vêm à frente.

Comparando, podemos dizer que somos ou podemos ser espelhos uns para os outros. Destes, temos a capacidade de captá-los não só por suas imagens pela visão, mas por suas palavras pela audição, por seus cheiros pelo olfato, pela maciês da pele ou pelo esbarrão descuidado, dos que passam sem pedir licença, pelo tato.

Todas essas projeções dos outros sobre nós e de nós sobre os outros podem ser correspondidas através das respostas, que emitimos ou que os outros emitem. Um sorriso, um gesto, uma palavra ou um palavrão podem refletir o agrado ou desagrado, que provocamos nos outros ou que os outros provocam em nós.

Diz o provérbio que “para bom entendedor, meia palavra basta”. Na verdade, não precisa nem ser meia palavra, basta um simples olhar, um discreto sorriso ou um leve sinal de  indiferença e podemos captar o quanto estamos sendo importantes ou não, o quanto agradamos ou incomodamos. É assim que podemos nos perceber através das reações, que provocamos nos outros e das que os outros nos provocam.

O espelho reflete as imagens ao contrário. Sua posição é oposta à nossa. Ficamos mais ou menos à sua frente, um diante do outro. Quando servimos como espelho para os outros, também projetamos suas imagens a partir de uma posição oposta a deles. Além disso, nossas retinas captam suas imagens de cabeça para baixo, enquanto nossa mente decofica-as, corrigindo suas posições.

Pode ocorrer, às vezes, de sermos espelho e vidro transparente ao mesmo tempo: projetando-nos a nós mesmos no que refletimos dos outros. Outras vezes, podemos ser espelho e lente: projetamos dos outros imagens distorcidas ou falsas.

Postado por José Morelli 

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Síndrome do pânico

A palavra “síndrome” é utilizada para significar um conjunto de sintomas, que se apresentam mais ou menos juntos, caracterizando um quadro clínico definido. Assim, a síndrome do pânico manifesta-se através de alguns sintomas, tais como: suór frio, taquicardia, dores que aparecem ora num, ora noutro ponto do corpo; medo de que vai ter um enfarto ou está com alguma doença grave; sensação de desespero ou pânico, inquietação e vontade de sair correndo, gritando... Para esses e outros sintomas os exames médico e clínico não conseguem, ainda, identificar causa orgânica, que os justifiquem.

A vida moderna, com suas complicações, vem  intensificando a incidência desses casos, exigindo estudos mais aprofundados do problema, por parte de médicos (psiquiatras, neurologistas, neuro-endocrinologistas) e de outros profissionais da área de saúde.

Hoje, muitos dos portadores dessa síndrome respondem de maneira bem positiva aos medicamentos, que lhes são receitados pelos médicos. Com o auxílio desses medicamentos, os pacientes ficam a salvo dos sintomas, que tanto os incomodavam. Para complementar esse tratamento, os médicos costumam recomendar aos pacientes, que iniciem e façam , também, uma psicoterapia.

O pânico é um sinal distintivo e característico desta síndrome. Uma reação comum de acontecer em situações de perigo iminente, tais como: incêndios, terremotos, quedas de aviões, etc. Situações tão intensas, que parecem justificar esta sensação de perda do controle. Os portadores da síndrome do pânico, nos momentos de crise, sentem-se tão inseguros, como aquelas pessoas que se encontram em perigo real de perderem a vida. 

Além de ser um sintoma, o pânico pode, também, servir de pista, que ajude no desvendamento de conflitos, escondidos no inconsciente das pessoas, que sofrem deste mal. A simples abertura para admitir esta hipótese de explicação, já pode ser um começo de superação dos sintomas. A falta de explicação constrange e faz com que essas pessoas se sintam sós, desamparadas de qualquer justificativa, que explique minimamente a presença de sintomas, aparentemente tão sem sentido.

doença visível, tangível e mensurável faz companhia ao doente e justifica seus sintomas e queixas. A doença invisível parece menos compreensível, deixando o doente com a sensação de estar desamparado dos outros e de si mesmo.

Postado por José Morelli


domingo, 27 de agosto de 2017

Assimilar golpes

Na linguagem do boxe, a expressão “assimilar golpes” significa a capacidade do boxista de suportar os socos do adversário. Quando assimilados, os golpes não minam as forças do lutador, ele se mantém firme. Pode mesmo dar a impressão de que mais se cansa o adversário, desferindo seus socos, do que o boxista recebendo-os. É o bom condicionamento físico e psicológico que lhe dá toda esta capacidade.

Deixando de lado o sentido masoquista, que pode ser atribuído à capacidade de assimilar golpes, no boxe, pode-se fazer uso dessa expressão, aplicando-a à capacidade das pessoas que, no dia-a-dia,  mesmo procurando evitar, ao máximo, as dificuldades da vida, precisam desenvolver uma força muito grande para  assimilá-las, uma vez que, à semelhança do boxista, ao nascerem como gente, para se manterem em pé, será inevitável que, em vários momentos,  tenham que levar e dar, pelo menos alguns bons socos.

Na vida, os golpes podem ser de naturezas diversas. São as frustrações e perdas, as decepções e outras dificuldades, evitáveis ou inevitáveis, que ocorrem na vida de qualquer ser humano. Certo preparo, uma boa estrutura, uma segurança pessoal, um sentido objetivo de si mesmo e do meio em que vive, ajudam na formação da capacidade de assimilação dos golpes, nos embates da vida.

Golpes fracos e fortes. Tanto uns como outros precisam, muitas vezes, serem transformados em força. Não é só se poupando que o lutador desenvolve sua capacidade. Seu treino deve prepará-lo tanto para apanhar, como para bater, tanto para defender-se, como para atacar.

Nas competições, o boxista busca a satisfação da vitória. Sua força é alimentada pela expectativa que tem de vencer. Autoconfiança e segurança é que lhe dão força e resistência. Acreditando em si, na capacidade que tem de superar seu adversário, o lutador desenvolve-se psicológica e fisicamente.

Na educação dos filhos, não é só poupando-os de todas as dificuldades, que os pais os ajudam a estarem preparados para a vida. Idealismo e realismo devem se aliar para que o positivo e o negativo, o fácil e o difícil, o prazer e a dor, a competição e a cooperação sejam percebidos e reconhecidos, de uma maneira equilibrada, contribuindo, assim, para servirem de base à capacidade deles de viverem os bons e maus momentos, que a vida lhes reserva em cada etapa de suas vidas.

Postado por José Morelli


Sintomas

Mais frequentemente, é através dos sintomas que as doenças se  manifestam. O sintoma não é a doença, mas, apenas, sua expressão, sua manifestação. Uma dor de cabeça, uma febre, uma tontura, uma alteração de pressão, uma taquicardia, uma acidez estomacal, uma dor muscular ou uma dor por fratura... são manifestações de problemas físicos ou funcionais, que costumamos chamar de sintomas. 

A chamada dor reflexa manifesta-se num lugar diferente daquele em que ela se origina. Uma infecção no dente pode provocar uma dor de cabeça, enquanto que uma  dor no braço pode ter origem em problemas na coluna.

Quando não é encontrada causa orgânica, que explique a presença de algum sintoma, a hipótese passa a ser de que este tenha origem em algum fator de ordem emocional ou psicológica. O sistema Nervoso Central é responsável pela transmissão das sensações sintomáticas para o cérebro. A mente, de forma consciente ou inconsciente, tem grande participação na dinâmica dos sintomas.

Além dos sintomas serem a manifestação de uma doença, eles manifestam também a vida da pessoa em seu todo. Daí as diferenças nas maneiras de as pessoas sentirem e responderem às mesmas doenças e aos mesmos sintomas.

Os sintomas funcionam como um alarme, que alerta para a presença de algum mal. Embora assustem com sua presença, eles são “amigos verdadeiros”, daqueles que não temem mostrar a verdade ao amigo, por mais dura que esta seja.

Entender com mais clareza o que são os sintomas é importante para que se tenha uma dimensão correta do que é sadio e do que é doentio, numa situação concreta, em que algum mal físico ou funcional manifesta-se no corpo. Pode acontecer de um fator emocional não ser apenas um agravante do problema físico, mas ser o próprio causador desse problema. Como exemplo, gostaria de ressaltar o “medo”. Este, quando é muito intenso, é capaz de provocar uma reação forte, que envolve a pessoa em sua totalidade. Forma-se um círculo vicioso: quanto maior um sintoma, maior o medo e, quanto maior o medo... mais intensos tendem a se tornar os sintomas. 

Postado por José Morelli

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Alienação

É o mesmo que abdicar de si ou daquilo que lhe é próprio ou lhe diz respeito. É negar a si mesmo direitos e/ou obrigações inalienáveis e intransferíveis. É não reconhecer-se como sujeito de suas próprias atribuições. É desviar-se do próprio caminho, através do qual poderia chegar a uma maior realização pessoal, de acordo com o fluir de suas próprias capacidades. Alienação diz respeito à diminuição da capacidade de as pessoas pensarem e agirem a partir de si mesmas.

Existem várias alienações possíveis: a alienação mental daqueles que sofrem de doença psicopatológica e que lhes impede que tenham sintonia com a própria identidade; a alienação daqueles e daquelas do que pensam, do que sentem; da sintonia que têm com o próprio corpo (com o pé cujo sapato o está apertando); da família a qual pertencem; da própria origem étnica, da cor da própria pele; do trabalho ao qual se sentem forçados a realizar; do consumo do que comem, do que bebem, vestem, ouvem, dizem; da política à qual compartilham juntamente com seus concidadãos e conterrâneos; do meio social em que vivem; da própria cultura da qual fazem parte.  

A diferença dos seres humanos dos seres irracionais está na sua criatividade em procurar soluções para seus problemas, desenvolvendo-se com descontração e espontaneidade: sinais indicativos de boa saúde mental e emocional. Os meios de comunicação de massa podem ou não contribuir para a alienação da sociedade em seu todo. A autenticidade nos relacionamentos é fundamental para que estes sejam terapêuticos, ajudando na superação das doenças e na construção de uma melhor saúde plena.

E não são somente as pessoas que ganham com os bons relacionamentos interpessoais em todos os níveis. O meio ambiente também ganha, sendo preservado em sua exploração desenfreada. Os direitos de cada povo sobre as riquezas comuns também permitem que a justiça e a equidade promovam maior igualdade entre todos, diminuindo a distância entre os que mais têm e os que menos têm: entre os que têm a faca e o queijo nas mãos e os que necessitam compartilhar de um único e mesmo queijo.

Postado por José Morelli

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Oscilações do humor

Quem nunca se percebeu, em algum momento da vida, passando de um estado emocional bem humorado para outro, de sensação contrária, merecedora de ser qualificada como de mau humor? As razões dessa oscilação, muitas vezes, podem ser identificadas quase que instantaneamente. Há acontecimentos que são como pedras em nosso caminho e nos impedem que cheguemos ao objetivo almejado. Tais acontecimentos se configuram como um perfeito “estraga prazer”.

Oscilações extremas como estas também podem acontecer na direção do positivo. De repente, quando menos esperamos, uma porta pode se abrir à nossa frente, dando-nos oportunidade de chegarmos a lugares ainda mais promissores.  Enchemo-nos de satisfação e o nosso sentimento transita da depressão para euforia. 

As ideias, os conceitos, se expressam através das palavras. Existem palavras de um único sentido e existem palavras com mais de um sentido. Além disso, desde seus primeiros raciocínios, nossa mente aprendeu a associar ideias umas com as outras. Nem sempre nos damos conta desse mecanismo. Imperceptivelmente, relacionamos determinadas coisas com acontecimentos que nos entristeceram. 

Por mais que as flores possam ser associadas a sentimentos positivos, é possível que, por circunstâncias vivenciadas, alguma delas nos faça recordar momentos tristes. O simples sentir o cheiro dessa flor pode fazer com que nosso humor se permeie com uma névoa de tristeza. Este é apenas um exemplo. O mesmo pode acontecer com inúmeras outras coisas. Pesquisando mais atentamente, poderemos descobrir de onde se originou a oscilação de nosso humor.

Se nos encontramos mais firmes e estruturados em nossa personalidade, permanecemos menos expostos a essas oscilações. Mantemo-nos menos vulneráveis às ligações automáticas dos pensamentos com as emoções que aos mesmos se associam. Os acontecimentos desafiadores que enfrentamos em nosso dia a dia permitem que nos fortaleçamos em nosso caráter. Construímo-nos com a soma de nossas vivências. Das idas e vindas, pelos mais diversos caminhos trilhados, apropriamo-nos de nós mesmos, das outras pessoas com quem interagimos e das coisas e acontecimentos com os quais nos confrontamos.

Postado por José Morelli

.