quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Instante

É do que nossa vida é feita, no tempo e no espaço. O dicionário diz que instante é aquele tempo no qual algo se dá. Um instante não pode acontecer sem que o instante anterior não tenha se completado em seu existir. Com o desenvolvimento tecnológico, a fração do tempo pode ser subdividida em décimos, centésimos de frações de segundos. Que o digam as placas que registram as chegadas dos nadadores olímpicos, assinalando as mínimas diferenças entre os que chegam primeiro, segundo, terceiro ou últimos lugares.

No intuito de expressar melhor o sentido da primeira frase do parágrafo acima, talvez possamos formulá-la dizendo que a minha, a sua e a nossa vida se fazem (se constroem ou se destroem) na sequência dos instantes. Disso podemos ter consciência, que é um dado a mais e superimportante de nossa realidade humana, desde que nos mantenhamos atentos a isso; do contrário, nossas vidas profundas nos passarão despercebidas. Nem agradecer pelo que nos aconteceu e está acontecendo de bom, teremos possibilidade de fazê-lo.

Os segundos, os minutos, os dias, os meses, os anos... Todos esses tempos podem ser fracionados em instantes, aparentemente insignificantes em suas durações. Esquecemo-nos, muitas vezes, de que ato posto é um ato sem chance de retroceder ou voltar atrás.  Consequências ou sequelas destes decorrem de seus desdobramentos naturais.

Neste exato momento, está se desprendendo a luz de alguma estrela e se dirigindo para o nosso planeta Terra, a uma velocidade calculada em ano-luz (distância que a luz percorre no vácuo no período de um ano). Dependendo da distância em que se encontra essa estrela, sua luz só chegará aqui daqui a séculos podendo ser vista, quem sabe, pelos olhos de alguns de nossos futuros descendentes. Nossa consciência sabe que é assim que funciona graças ao esforço e à inteligência de cientistas que, em passado não tão distante, nos legou e à humanidade informações que nos esclareceram a respeito desse fato.

Cada instante tem sua dimensão histórica. Nosso momento de vida vem sendo construído pessoal e coletivamente. Assim como recebemos de nossos antepassados os legados que deles herdamos; assim também transmitiremos às futuras gerações os legados que para eles transmitiremos.

Postado por José Morelli

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Ganância X Moderação

Ganância não se contrapõe à moderação. O que se contrapõe à ganância é o desinteresse ou desapego de tudo aquilo que se constitui como indispensável à vida humana (material e imaterialmente considerada). Enquanto a ganância se refere à avidez por ganho lucrativo (lícito ou ilícito), a moderação se refere à vontade humana de permitir, a si e aos outros, o que é basicamente necessário à própria vivência e realização da maior parte das pessoas. 

O mundo é objetivamente o que é sem tirar nem por. No estágio atual de desenvolvimento econômico e de livre concorrência, ele vive impasses dramáticos. Vulgarmente falando, poderíamos até dizer que: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.  Para saciar a voracidade do “Minotauro” (figura mitológica com cabeça e cauda de touro num corpo de homem), o Rei Minos, da ilha de Creta na Grécia, enviava anualmente ao labirinto, por ele construído, jovens atenienses (sete rapazes e sete moças), a fim de que ali servissem à saciedade do Minotauro. Esse fatalismo, no entanto, não é compartilhado por todos. Há quem ainda consiga ver alguma luz no fundo desse túnel.

O editorialista da “Revista Página 22”, em sua edição de nov/dez de 2015, comenta a respeito do economista alemão Ernest Schumacher, cujo trabalho foi traduzido no Brasil como “O Negócio é Ser Pequeno”. Diz ele que o livro contesta a “idolatria do gigantismo”, defendendo que se leve a tecnologia de volta à escala humana e que a economia não deve visar o lucro, mas sim atividades que estejam de acordo com os valores considerados importantes pelas pessoas e sejam condizentes com os recursos naturais disponíveis.

Em sua conclusão, o editorial da revista assinala que o sistema econômico agigantado delapidou o capital natural além da conta e não foi capaz de distribuir de forma equânime as riquezas geradas, adotar as inovações cada vez mais necessárias, respeitando os limites do ambiente e fazendo sentido para todos e não, apenas, para poucos que se deixam levar mais pela ganância do que pela moderação; mesmo que isso signifique o estabelecimento de uma exclusão de parcelas significativas da humanidade.       

Postado por José Morelli       
                                                                                                                                                                        

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Masculinidade & Feminilidade

Maneiras próprias de ser e de agir, de pensar e de sentir, que se associam e se complementam nas interações e nas múltiplas trocas, estabelecidas pelos seres humanos, nas diversas etapas da vida. Certamente, em nenhum outro tempo como o dos dias atuais, tantas revistas especializadas divulgam imagens masculinas e femininas, ressaltando as características mais marcantes de cada uma delas. Por isso, quanto ao que se refere às maneiras externas de uma e de outra, estes dois conceitos podem ser apreendidos com clareza em seus significados.

Desde os primeiros dias de vida, mesmo antes de cada um de nós termos nos reconhecido em nossa própria identidade de gênero, nossos cinco sentidos já registravam as diferenças entre as maneiras próprias da masculinidade e da feminilidade. Nossas vivências posteriores foram nos permitindo construções de entendimentos mais aprofundados. Fomos aprendendo a associar ao que vemos externamente o sentimento que o acompanha internamente.  

Dentre as explicações e ideias ouvidas, em todo esse percurso de aprendizados, algumas acabaram por nos servir de alerta. “Quem vê cara não vê coração” diz a sabedoria popular: dentro de um corpo masculino, por mais masculinizado que pareça, pode se ocultar uma alma afinada com a feminilidade e, dentro de um corpo feminizado, por mais feminino que pareça, pode se encontrar uma alma identificada com a masculinidade.

Encantamentos são encontrados em ambas as maneiras de ser e de agir. Atratividades mútuas servem à sedução de umas pelas outras. Nada se compara às imagens reais e em movimento, densas de vida e de dinamismo. Sutilezas são apreendidas, despertando reações instantâneas. Corporeidade e sentimentalidade se entrecruzam em todas as direções e é, por essas e outras, que a vida, em sua integralidade, merece ser respeitada e valorizada

Postado por José Morelli

Medo do medo

“Gato escaldado tem medo de água fria”, assim resumiu e sintetizou o ditado popular. Tendo passado pela experiência de ter sido queimado com água fervente, o gato se assusta diante da leve ameaça de ser atingido, mesmo que a água do balde esteja fria ou morna. Ao barulho de um trovão, os cachorros respondem com expressões diametralmente opostas de medo: latindo ou se escondendo, encolhido em algum canto que lhe parece seguro. A criança pequena, por sua vez, chora e procura o colo da mão para nele se refugiar e se sentir mais protegida.

O dia a dia proporciona vivências potencialmente capazes de mostrar onde se encontram os perigos reais e verdadeiros. O medo é um mecanismo de defesa necessário à sobrevivência dos seres vivos e animados. Dos adultos, as crianças devem aprender a lidar com esse mecanismo, indispensável à proteção e à sobrevivência de qualquer indivíduo. No entanto, se o medo não deixa de ter o seu lado bom, não deixa também de ter o seu lado mal e perverso. O medo exagerado não é bom conselheiro. Ele pode mesmo passar a ser o maior de todos os inimigos do homem e da mulher, paralisando-os em suas iniciativas.

A casca de proteção se torna tão grossa e impermeável que, no lugar de ajudar na saúde do corpo, impede-o de se desenvolver e se realizar. O medo passa a ocupar uma primazia de importância que anula as outras potencialidades. Antes mesmo que dele se aproxime, o indivíduo cria mil proteções no sentido de impedir-se de avançar, não se permitindo de considera-lo em sua objetividade. É a isso que chamamos de: medo do medo.

O medo do medo pode atingir tanto um individuo como uma coletividade. Há aqueles que se aproveitam do medo alheio para dele tirar proveito. Apostar no medo do medo faz prosperar grandes negócios. As desigualdades polarizam as pessoas e os grupos sociais. Enquanto alguns são extremamente ousados e arrojados, outros se encolhem em seus cantos, totalmente dominados pelos mais variados tipos de medos.  

Postado por José Morelli

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Reisado de Minas

Neste fim de semana, tive a felicidade de ir à cidade mineira de Carmo do Cajuru. O motivo desta ida era o de conhecer, mais de perto, uma manifestação cultural e histórica da população afro-brasileira muito rica de expressividade em todas as suas formas.

Nessa cidade há uma igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário, cuja data de construção remonta ao ano de 1771, coincidindo com o período em que se deram os acontecimentos que levaram à deflagração da chamada “Inconfidência Mineira”. É provável também que a construção da Igreja do Rosário daqui da Penha de França tenha ocorrido nessa mesma época, uma vez que a Irmandade de homens pretos que a construiu já atuava desde 1755.

Uma palavra que pode dar uma ideia aproximada do que os congados realizam nessa manifestação do Reisado de Minas Gerais é a palavra “explosão”. Os tambores e demais instrumentos marcam sons fortes que são acompanhados de danças. O chão é o alvo dos pés. Parece até que os dançantes, com seus chocalhos em torno das canelas, querem acordá-lo de algum sono profundo ou inércia, o que facilita que lhe levem as riquezas.

A viagem, em seu conjunto, serviu como um banho de brasilidade. As figuras dos profetas, esculpidos em pedra sabão por mestre Antonio Francisco Lisboa - o Aleijadinho – e que se encontram no adro da igreja, em Congonhas do Campo, se constituem como ícones de uma fé que não admite qualquer pacto com falsidades ou injustiças.

Nessa mesma linha de entendimento se incluem os acontecimentos, ocorridos nos idos de 1717, em terras paulistas do Vale do Paraíba, quando do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida, por pescadores, nas águas do Rio Paraíba do Sul. Individual ou coletivamente, a fé popular não objetiva a alienação de quem a pratica com sinceridade e boa vontade.

Postado por José Morelli