segunda-feira, 31 de março de 2014

Instinto Gregário

A palavra gregário vem do vocábulo latino “grex”, que significa rebanho. Instinto gregário é aquele que faz as pessoas se sentirem compelidas a estarem umas com as outras, formando grupos de influências mútuas, onde há uma liderança à qual todas seguem ou obedecem.

No mundo animal, são muitos os bichos que apresentam este instinto, de forma bastante perceptível: algumas espécies de aves; ovelhas e carneiros; cavalos selvagens; javalis e até mesmo grandes mamíferos como os elefantes; animais fracos ou fortes, capazes ou não de se defenderem sozinhos de seus naturais predadores. É provável que o instinto gregário se desenvolveu, nos animais, como uma decorrência do instinto de conservação da espécie. Juntos, estes poderiam se proteger melhor dos ataques inimigos, assegurando-se uns aos outros: alertando da presença; dispersando e confundindo o inimigo.

Nos seres humanos, também, está presente o instinto gregário, que pode se manifestar de inúmeras formas: na formação de grupos, desde os menores até aqueles que reúnem milhares, milhões de pessoas, em torno de um interesse comum; na obediência às leis; na adoção de costumes, que os tornam aceitos e bem-quistos, no meio social; na submissão hierárquica das diversas instituições e, de maneira especial, no seio da instituição família.

O instinto gregário se manifesta, ainda, na necessidade das pessoas de se verem parecidas ou identificadas - umas com as outras, em suas formas de ser, de pensar e de agir.

Do lado contrário do instinto gregário está o desejo, a necessidade, também profunda, de liberdade e de originalidade. As identificações e semelhanças proporcionam sensação de segurança. As diferenciações, por sua vez, desafiam a busca do novo, fomentam o progresso e o desenvolvimento, rompem os limites do desconhecido, ampliando os horizontes das possibilidades humanas, em todos os sentidos e direções. Gregarismo e liberdade são tendências opostas, que incitam ao controle de uma através da outra. Encontramo-nos entre essas duas tendências. Precisamos estabelecer uma maneira equilibrada de projetar atitudes que manifestem tanto nosso ser pessoal como nosso ser total.

Por José Morelli


quarta-feira, 26 de março de 2014

Estilos literários

A literatura expressa nossa vida humana e de tudo aquilo que a envolve de múltiplas formas. Os diversos estilos literários expressam as maneiras de como a vida é, por nós percebida, sentida, interpretada, correspondida ou não correspondida. A psicologia, como ciência que estuda o comportamento humano, tem, nas definições e características próprias dos estilos literários, um meio comparativo de poder representar a vida em suas maneiras de ser e de acontecer.

Neste sentido figurativo dos estilos literários, podemos dizer que as pessoas, embora possam em suas manifestações de vida se utilizar de vários estilos, de acordo com a fase em que se encontram vivendo, da infância à velhice, apresentam como pano de fundo um estilo que é o predominante, característico de sua personalidade, marca registrada de toda uma vida.

Em sentido próprio, podemos distinguir os seguintes estilos literários: romântico, poético, dramático, épico, cômico, trágico, didático, retórico,... Nos bons trabalhos da literatura, fatos e idéias são expressos com criatividade, clareza, harmonia e beleza, por isso sensibilizam e agradam. Nos dias de hoje, os temas abordados nos livros são tão ricos de significado quanto aqueles desenvolvidos nas obras dos grandes artistas do passado.

Da mesma forma como fizeram e fazem os artistas de todos os tempos, quando identificamos e aceitamos nosso próprio estilo (de viver) e procuramos com ele enfrentar os desafios do dia a dia, dando-lhes formas de acordo com nosso modo de ser, expressando-nos através deles, sendo capazes de reconhecer-nos no que de bom e de menos bom obtemos como resultado, nossa vida ganha harmonia, tornamo-nos simpáticos, agradáveis a nós mesmos e, possivelmente, a outras pessoas também.

Portanto, a qual dentre os diversos estilos literários seu modo de ser e de agir mais se assemelha?...: o dramático?... o irônico?... o trágico?... o cômico?... a um outro qualquer?... – Você o assume?... – Curte fazer uso dele, desempenhando-o com leveza ou com força, de acordo com o que pede as circunstâncias?... – Capricha na forma de colocá-lo em prática?... Empenha-se em transformar sua vida numa obra de arte, independentemente do estilo com que a tenha vivenciado?... 

Por José Morelli

Encantos e desencantos

As palavras buscam expressar aquilo que as idéias conseguem entender dos fatos. Falar de encantos e desencantos pode trazer à lembrança a imagem de um mago com enorme turbante à cabeça, tocando sua flauta diante do cesto, do qual uma serpente com língua trêmula vai subindo lentamente. Esta parece não resistir à magia da música. A força do encantamento faz com que a víbora deixe de lado sua comodidade e se volte, como que enfeitiçada, para algo fora de si, sem atinar para o risco a que se expõe.

Encantos são objetos de nossos desejos. Eles têm o poder de nos atrair. Ficamos infelizes e inquietos enquanto não conseguimos que se concretizem. A imagem que trazemos de nós mesmos, em nossa mente, se completa quando os conquistamos. Sentimo-nos mais realizados e valorizados, com o nosso ego narcisista inflado, tanto perante aos nossos próprios olhos como também perante aos olhos dos outros.

As pessoas possuem a capacidade de se encantarem e de se desencantarem umas às outras. Os mútuos conhecimentos se dão, geralmente, a partir da forma física, da aparência externa. O que salta aos olhos em primeiro lugar é o invólucro, só depois é que vem à tona o conteúdo interno: a personalidade, com suas qualidades e defeitos. Os momentos difíceis, vivenciados no companheirismo e na solidariedade, são aqueles que conseguem provar melhor o quanto de cumplicidade duas pessoas são capazes de manterem entre si. Existem pessoas que só conseguem se encantar enquanto se mantém voltadas para a parte física do outro. Perdem o encantamento, quando se deparam com sua realidade mais profunda.

“Não sou tudo isso que você está vendo em mim... são os seus olhos que me vêem assim!” Os encantamentos podem existir naquele que traz, em si, o desejo pelo outro ou nesse outro, que corresponde como objeto desejado.

Quem idealiza muito alto e espera demais de si mesmo e do outro, corre o risco de se desencantar com a realidade humana, inerente a todo ser mortal. Tal pessoa pode, rapidamente, passar do encantamento para o desencantamento. Enquanto busca apenas a si mesma no outro, não consegue encontrar nem a si própria, nem a mais ninguém. Perde a oportunidade de se lançar na aventura de acreditar em sua própria capacidade de amar e de acreditar que é amada por outra pessoa. 

Por José Morelli

sábado, 15 de março de 2014

Natureza e Tempo

Somos a mistura de natureza e tempo.  Somos a soma dos dias que vivemos, desde aquele primeiro em que despontamos como mais novo habitante deste planeta, até este dia em que nos encontramos vivendo hoje. Somos manhã, tarde e noite: começo, meio e fim. Somos claridade, discernimento, consciência. A temporalidade além de nos ser oportunidade de existir também nos assusta com sua imprevisibilidade futura. Natureza vem de nascimento, palavra de gênero feminino. Para promover novas vidas, a natureza precisa do concurso do tempo. Tempo é palavra de gênero masculino.

Através da maternidade, a mulher apropria-se de si mesma como mãe e como filha que foi e que ainda é. Por sua projeção no filho ou filha, tem-se de volta, recupera-se como filha, redescobrindo-se. Soma estas duas vivências. Percebe-se e sente-se detentora daquele mesmo poder que, antes, via e percebia em sua mãe. A natureza é mãe permanentemente. O tempo é fluido, passageiro. Porém, é somente com sua colaboração, que a natureza se atualiza em sua função/missão de geradora de novas vidas. O tempo pode ser assemelhado ao pai. - Natureza e tempo: companheiros, contingentes,... relacionam-se incessantemente rumo a direções imprevisíveis.

A sabedoria do compartilhar da transitoriedade, da temporalidade, do termo final. O saber usufruir da vida enquanto ela é. O tempo é como uma flecha que, tendo sido disparada, tende a seguir o seu próprio curso.  Movimento é vida, transformação ininterrupta e constante. No tempo, a vida se esvai inexoravelmente. Nossa consciência busca sempre novos sentidos para tudo o que vivencia e percebe. Sentido de poder, de segurança, de superação dos limites. As diferenças, ora são percebidas e sentidas como gratificantes, ora como ameaçadoras e sofridas. Homem e mulher - pai e mãe - natureza e tempo - poder e submissão (poder-submisso e submissão-poderosa): alternâncias de ilusões.

Natureza e tempo, na sucessão: pais, filhos, netos, bisnetos, trinetos... A arte de transmitir vida. Pai e mãe unidos pelo mesmo objetivo. O cultivo da sensibilidade para consigo e para com o outro. A superação do egoísmo. O legado de cada um: a posteridade. A semente remanescente do fruto: semente-natureza, que se anula, dando oportunidade ao surgimento de nova vida. O jogo de um poder que se desdobra em identificações e contra-identificações, como imagens indefinidamente refletidas e multiplicadas em dois espelhos colocados um de frente para o outro.  

Por José Morelli

quinta-feira, 6 de março de 2014

Historicidade

De que toda e qualquer pessoa tem sua própria história, isto é um fato, independentemente de sua vida e seus feitos serem ou não registrados por escrito ou constarem em documentos. O peso, o valor de cada pessoa é real e é inevitável que algum sinal de sua passagem permaneça. Pelo sim ou pelo não, a trajetória de cada pessoa no curso de sua vida, não deixa de provocar influências nas vidas de outras pessoas, bem como no conjunto da sociedade.

A historicidade não é só a história de cada um, mas também a soma das histórias de todos. A certidão de nascimento pode servir como símbolo do momento em que começa a história de cada indivíduo. Aqueles desenhos e traços deixados pelos antigos habitantes das cavernas (pinturas rupestres) são sinais de pessoas que, sem nenhuma intenção, deixaram documentados momentos em que a humanidade dava seus primeiros passos de manifestações culturais e de historicidade.

Hoje, os sinais se multiplicam. As histórias de cada um de nós, além de serem guardadas na memória de todos os que podem nos observar, de perto ou de longe, são também captadas por inúmeros instrumentos, que esta nossa sociedade moderna criou e os utiliza a fim de que, com eles, concretize alguns de seus objetivos. Não estamos assim tão livres e soltos no ar como poderíamos imaginar. A história nos prende uns aos outros. Ter uma noção deste elo, situar-se e entender-se nesse contexto mesmo que de forma limitada é, sem dúvida, uma expressão de nossa verdade. Precisamos ter essa consciência. É um mínimo indispensável para que não fiquemos à margem de nossa própria realidade, da realidade das outras pessoas e do meio em que estamos vivendo.

E se acreditamos que nossa vida, bem como a de toda humanidade, tem objetivos, essa consciência da própria historicidade é ainda mais necessária, para que nossas contribuições pessoais se orientem no sentido, que julgamos serem mais coerentes com esses objetivos.

Somos seres históricos. Nossa história pessoal se entrelaça com a história de nosso grupo e com a de todos os nossos contemporâneos. Nossos pensamentos e convicções podem encontrar ressonância e ecoar pelo mundo, permitindo-nos influenciar, com nossa pequena parcela de contribuição, nos rumos dos acontecimentos.

Por José Morelli

domingo, 2 de março de 2014

Placebo

Quando uma vaca morre de parto ou antes do desmame do bezerro, o seu couro é colocado junto a este, para que não se recuse a mamar, pela falta que sente da mãe. Em alguns lugares, este couro da vaca é chamado de placebo.  O dicionário do Silveira Bueno diz que placebo é a “preparação desprovida de efeito farmacológico, que se dá em lugar do medicamento, para estudo da ação terapêutica psicológica ou real deste por dissociação”.

Nestes últimos dias, com o problema da falsificação de remédios, a televisão trouxe justificativas de um laboratório, que falava de remédios “falsos” (placebo), roubados ou desviados, que haviam sido fabricados para testes. Ouvi dizer, também, que algumas pessoas que tomaram “Viagra-placebo”, (feito para teste), obtiveram bom resultado. Nestes casos, a ação terapêutica ocorreu por razões psicológicas e essas pessoas não precisariam do remédio para conseguirem ereção.

O Brasil é considerado o país que mais consome remédios no mundo. Talvez, por isso, é que, aqui, o crime de falsificação  de  medicamentos seja um “prato-cheio”, para tantos inescrupulosos. Quando o médico deixa de prescrever algum remédio para seu paciente, é comum que esse paciente estranhe e sinta falta de não levar, pela consulta, nenhuma receita para casa. Há pessoas que são viciadas em remédios. E neste, como em outros casos, qualquer exagero, por excesso ou por falta, pode ser prejudicial às pessoas.

A recomendação de não se tomar remédios por conta própria, mas somente com a indicação do médico é muito válida, principalmente, num contexto como o nosso. Todos sabem, porém, que nem sempre é possível consultar o médico. Por isso, vale chamar a atenção das pessoas, para que sejam criteriosas ao se medicarem, não se esquecendo de que o organismo possui mecanismos próprios de superar a dor e de se ajustar, frente a algumas disfunções leves. Nestes casos, é bom dar uma chance ao corpo para que ele se reorganize e se recomponha por si, sem a interferência de medicamentos.

O psicólogo não receita remédios em suas consultas. A natureza do trabalho do psicólogo clínico exige que ele se volte para as pessoas, valorizando todas as potencialidades da vida destas, as ordens e as desordens que ajudam e que atrapalham, na administração do próprio existir, num mundo assim tão complexo como é este nosso.


Por José Morelli