quinta-feira, 30 de agosto de 2012

“Não diretividade”

Dependendo das circunstâncias e da condição emocional em que se encontram, os pais poderão adotar para com o filho ou filha, que se encontra em alguma dificuldade, não uma postura diretiva, mas um posicionamento não-diretivo. Atuam não-diretivamente os pais quando, no lugar de raciocinar e decidir pelo filho, ajudam-no a pensar e a concluir o raciocínio por si mesmo. Fazem isto através de uma atitude de quem não tem respostas prontas e mediante formulação de algumas perguntas, que permitam ao filho a utilização do próprio pensamento, assumindo responsabilidade sobre as decisões que deseja tomar. Em vez de os pais se apressarem em oferecer fórmulas feitas, a não-diretividade recomenda-lhes que acreditem nas capacidades do filho. É diretivo o pai ou mãe que pensa que só ele (a) sabe o que é bom e o que é ruim. Não explica ao filho o porquê de seus princípios e valores. Não contribui em nada para que o filho tire conclusões a partir de si mesmo.

O medo, a ansiedade, a falta de confiança em si e no filho são empecilhos a uma atitude facilitadora para que o mesmo adquira autonomia de pensamento e de decisão. Quem tem sempre muita pressa, quem vive com medo de que o erro não tem remédio, não o aceitando como instrumento do saber, não consegue permitir o desenvolvimento do filho, de uma forma gradativa, a partir de suas próprias experiências.

A não-diretividade não é o abandono do filho a si mesmo, na hora em que este tem que enfrentar alguma dificuldade que lhe é intransferível. Os pais não-diretivos não abdicam de suas obrigações, exigidas pelo papel que desempenham junto aos filhos. Pelo contrário, através de suas atitudes, realizam de uma forma mais apropriada aquilo que a palavra “educar” significa: conduzir a partir do interior. A não-diretividade é uma presença profunda e constante. Exige muita observação, muita atenção. Para ajudar o filho a pensar e saber decidir é preciso estar próximo dele, percebê-lo, situá-lo em seu contexto, questioná-lo quanto ao que está pensando e sentindo, permitindo-lhe, assim, que descubra quais são os múltiplos fatores que o estão condicionando. Agir não-diretivamente é interessar-se pelo que de melhor existe no filho como uma forma de querê-lo bem em sua integralidade, de reconhecê-lo em seus lados fortes. É uma aposta nos aspectos mais positivos do filho, mesmo que estes aspectos estejam cercados e protegidos pelo medo ou pelo comodismo. Para se saborear o gosto da castanha é preciso tirá-la de sua casca, sempre protegida de muitos espinhos. De forma parecida, algumas grandezas do espírito humano só são descobertas, quando as resistências são vencidas e os espinhos retirados, mesmo correndo risco de, eventualmente, vir a se machucar com eles.

Por José Morelli

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Voz e Vez

O direito constitucional de cada cidadão de se expressar e de ter oportunidade na vida.  Voz e vez. A vez pela voz: voz falada; sussurrada; esbravejada, não importa de qual forma seja. Manifestação da inteligência, das emoções e dos sentimentos humanos mais profundos. Voz e vez do ser na totalidade do corpo e do espírito, penetrando e deixando permear-se pela atmosfera circundante, na ânsia legítima de compartilhar do que é indispensável ao bem viver e dos progressos e conquistas tecnológicas e culturais dos seres humanos, usufruindo-os e podendo se complementar com os mesmos em justa medida.

Pela voz a vez. Vez de poder ocupar e de poder trocar com o espaço físico e psicológico, respirando o ar puro e movimentando-se em todos os sentidos, no exercício pleno do direito de ir e de vir, com liberdade e espontaneamente.

“Quem cala consente” - diz o provérbio. Televisão é comunicação de massa. Telespectador é multidão anônima, necessitada e carente de lazer e de descanso, que pouco ou quase nada contesta e discute idéias. Raramente o espectador é convidado a emitir a própria opinião. Só é instado a responder a questões de mínima importância e, mesmo assim, de forma limitada a um número restrito de alternativas. Cidadão que se omite de manifestar-se falando desconhece o poder da própria voz. Com isso, deixa o espaço livre para aqueles que já se habituaram a ter sempre vez e não são mais capazes de abrir mão do poder que esse ter lhes costuma proporcionar. O problema se torna ainda mais grave quando essa passividade se generaliza, alastrando-se para outros campos da vida dos cidadãos e cidadãs.

A vez é como o ar indispensável à vida da sociedade e do indivíduo. No relacionamento respeitoso entre este e a instituição ocorre o desenvolvimento harmônico do todo. Quando o direito à voz e à vez é negado ou coibido o progresso humano fica sacrificado. Perdas irreparáveis acontecem. A doença prevalece sobre a saúde, o corpo e o espírito embrutecem. A dignidade e o amor próprio perdem a vez.

Por José Morelli

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

“Fantasminhas”

A imaginação os criou. As histórias em quadrinhos têm um famoso: o “Gasparzinho”. Nos desenhos animados, eles aparecem na forma de um lençol branco com dois furos, na altura dos olhos, como se existisse alguém embaixo, que o animasse. Quando o lençol é puxado, nada se encontra. Só o lençol é visto, aquilo que dá movimento e vida ao lençol, não.

Podemos comparar a imagem dos fantasminhas, representada pelo lençol, que é a parte visível deles, aos sintomas das doenças (nos quadros neuróticos e psicóticos). O sintoma é apenas a manifestação de um problema de saúde e não, propriamente, o problema em si. A impotência sexual, o medo fóbico, a ansiedade, o comportamento perseverante e compulsivo, a hiperatividade, a angústia, a cleptomania, a depressão, a enurese noturna (xixi na cama) e outros sinais são apenas sintomas, manifestações de conflitos, de problemas mal-resolvidos ou não-resolvidos. Estes não aparecem de forma visível e concreta. São desarmonias e defasagens, choques mesmo entre valores antagônicos, entre consciência e instintos, entre idéias e sentimentos, entre situações externas e internas, “quedas de braço” impostas pelas circunstâncias da vida, difíceis de serem identificadas e bem trabalhadas, para poderem ser mais bem assimiladas, isto é, transformadas em força que alimenta a vida.

O sintoma acena para o problema, é o caminho para ele. Através do sintoma, podemos chegar à sua causa. O sintoma traz em si uma mensagem. Não é à toa que ele se apresenta de uma forma e não de outra. Nele podemos encontrar a pista para desvendarmos nossos segredos íntimos.  É ele como um enigma que precisamos decifrar e entender.

A palavra desvendar significa tirar o véu, que poderia ser entendido, também, como tirar o lençol do fantasminha. Vencendo as resistências naturais à busca do auto-conhecimento, podemos encarar nossos sintomas, sem medo, perguntando-lhes o que escondem por debaixo de suas aparências e o que têm a nos dizer sobre questões importantes de nossa vida, e que tanto comprometem o nosso desempenho e desenvolvimento.

Por José Morelli

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Imagens oníricas

São aquelas produzidas pelos sonhos. Podem ser em branco e preto ou coloridas. É a mente que constrói as imagens de objetos, lugares, animais e pessoas que, juntadas a sons e palavras, se constituem como mensagens úteis para quem está sonhando. Buscadas do arquivo da memória, essas imagens vão sendo projetadas compondo pequenas ou grandes histórias: umas de fácil entendimento outras parecendo não terem nem pé nem cabeça.  

Desejos, preocupações, frustrações podem se manifestar por meio de imagens oníricas que mobilizam sentimentos e emoções. Os sonhos servem à vida, ajudam-na a elaborar os conflitos que nela acontecem. Não é a toa que se tem um sonho e não outro. Não é a toa que nele aparece uma determinada pessoa e não outra. Existem razões importantes para isso. Nos sonhos, o psiquismo humano possui um meio eficaz de enfrentar seus medos e resistências. Neles, a mente se torna mais livre das censuras impostas pela consciência das normas que lhe foram introjetadas, desde a sua primeira fase de desenvolvimento.

Por meio do convívio social, o indivíduo capta os significados de tudo ou de quase tudo. O pensamento coletivo influencia no modo de pensar e de sentir dos indivíduos, ocorrendo certa universalização dos significados atribuídos às coisas e das emoções e sensações a eles associados.

A vivência pessoal também contribui para o enriquecimento de significados a serem atribuídos às situações representadas pelas imagens oníricas. Quem viveu, na infância, uma experiência na qual uma determinada flor ou música ficaram associadas a sensações de prazer, ao criar essas mesmas imagens, anos mais tarde, em algum sonho, estas promoverão as mesmas sensações de prazer experimentadas no passado.

Sonhar e lembrar do sonho é uma coragem, uma forma sadia de enfrentamento das dificuldades da vida. Na medida em que a mente sonha, ela vai se tornando mais consciente dos problemas que enfrenta, podendo se familiarizar com os mesmos. Pouco a pouco, vai ganhando mais poder e confiança em si, podendo quebrar algumas das barreiras que ela própria construiu em suas vivências do passado.

Por José Morelli