domingo, 29 de julho de 2012

“Acertar os ponteiros”

Se meu relógio de ponteiros está parado ou errado, preciso urgentemente acertá-lo, sob risco de perder algum compromisso importante. Para isso, necessito adotar dois procedimentos, pelo menos: primeiro, identificar a hora certa; segundo, mover os ponteiros (das horas, dos minutos e dos segundos), ajustando-os a seus respectivos indicadores, no mostrador, de acordo com a hora certa do fuso-horário em que me encontro.

Se o relógio não atrasa nem adianta, os ponteiros caminham numa velocidade comparada à da Terra, em seu movimento de rotação (ao redor de si mesma). Desde que os ponteiros tenham sido acertados, passará a haver uma maior coincidência nos movimentos destes com os períodos de 24 horas do dia. Desta forma, meu relógio estará em condições para servir-me, em seu objetivo de marcar o tempo, ajudando-me a administrá-lo melhor.


Quando ouço alguém dizer que precisa “acertar os ponteiros”, dependendo do contexto da frase, entendo que não está se referindo ao acerto dos ponteiros do relógio propriamente dito, mas a outro tipo de acerto, que pode ser: na vida pessoal; nos negócios; nos estudos; no casamento; nos relacionamentos de amizade ou em qualquer outro aspecto da vida, que esteja exigindo uma atenção maior de sua parte.


Nestes casos, o relógio e seus ponteiros servem como referências simbólicas. Dia, noite, movimento, rotação / translação, sol / lua / estrelas, mês / ano / século / milênio, atrasar / parar / adiantar, horários normal e de verão, acertos necessários de tempo em tempo, estas são algumas das contingências, que acompanham a vida dos relógios e das pessoas.


Problemas menores para acerto dos ponteiros do relógio podem ser solucionados pelo próprio usuário, outros mais intrincados apenas pelo relojoeiro. Da mesma forma, para “acertar os ponteiros”, da vida, muitas vezes não é necessário senão o concurso da própria pessoa, sem que precise da ajuda especializada de ninguém. Outras vezes, porém, é indispensável contar com a participação não do relojoeiro mas de um profissional, que estuda e se dedica à vida das pessoas e ao intrincado mecanismo de seu funcionamento. Um desses profissionais é o psicólogo ou psicoterapeuta.


Por José Morelli

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Em espiral

Entre idas e vindas, na direção para frente e para cima, alargando o horizonte de visão, a cada volta, ou diminuindo o sentido de oposição, entre opostos, vou evoluindo e me desenvolvendo, de maneira semelhante ao da  e s p i r a l, delineando seu traçado.

Se, em algum momento, o medo me impediu de alcançar um ponto mais avançado e que exigia preparo e coragem de minha parte, fazendo-me retroceder; agora, sentindo-me mais preparado e com menos medo, posso me lançar mais confiante. Neste vai e vem, cresço em minhas capacidades, amplio o sentido de minha presença, no meio em que vivo e em que me movimento. Alimento e faço crescer meu auto-conhecimento e minha auto-estima.

Minha vida oscila entre a rotina e a novidade. Ambas são importantes e mesmo necessárias. Quando me canso de uma, busco a outra, satisfazendo-me a cada nova experiência. Rotina e busca de novidades servem-me como estímulo. Na medida em que vou me cansando da rotina, cresce-me o incômodo de nela permanecer. Busco, então, a novidade... até que me canse dela também. A rotina volta a atrair-me, gratificando-me com sua presença. Sinto-me feliz por reencontrá-la. Vou oscilando nesse processo, que me parece ser saudável e capaz de atender às minhas necessidades, desenvolvendo-me em mais dimensões de meu ser total. Devo cuidar para que a ansiedade em buscar fora ou o medo/comodismo, que me levariam a fugir das dificuldades, não me prejudiquem nessa dinâmica que é apropriada à vida.

A cada nova volta na espiral, envolvo-me mais profundamente comigo mesmo e com a realidade que me cerca, ampliando e aprofundando minhas percepções. Descubro que, no que é bom, não existe só o bom e que no mal, não existe só o mal. Minha visão dos contrários vai se tornando mais objetiva, menos mítica. Dentro de mim, diminuo a distância entre os opostos. Aprendo a lidar melhor com eles. Integro-os em minha maneira de ver e entender o mundo e a vida. Sucessos e fracassos deixam de atemorizar-me tanto. Vou perdendo o medo de avançar e de me arriscar. Sinto-me mais assumido e responsável no que penso, sinto e faço.

Por José Morelli

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Efeito bumerangue

O bumerangue é uma arma de arremesso, confeccionada de madeira escavada e em forma de arco, utilizada pelos indígenas australianos. Quando atirada, descreve curvas no ar e volta ao ponto de onde saiu.

O efeito bumerangue é, justamente, essa volta da arma para a pessoa que a arremessou. Com o sentimento de culpa e o remorso parece acontecer algo parecido. Quando falamos ou praticamos uma ação que percebemos prejudicar alguém, podemos sentir como se o mal que fizemos, voltasse para nós, perseguindo-nos e querendo nos ferir também.

O remorso é um sentimento que mistura culpa, arrependimento, vontade de se esconder ou de evitar ver/encarar a pessoa, a quem ferimos ou magoamos. É comum acontecer que o simples pensamento ou desejo de prejudicar alguém já possa nos fazer sentir remorso. Às vezes, esse simples pensamento reprimido, é capaz de nos fazer tropeçar ou bater a cabeça, como uma espécie de autopunição inconsciente. Outras vezes, é capaz de nos tirar a tranquilidade do sono, causando-nos algum sonho desagradável ou mesmo pesadelo.

O remorso tanto pode ter uma intensidade proporcional àquilo que pensamos ou fizemos de mal ou de errado, como pode ter uma intensidade exageradamente desproporcional. Este segundo caso já é indicativo de certo distúrbio psiquiátrico. A paranóia é uma doença em que a pessoa se sente perseguida e ameaçada de várias maneiras. O paranóico não consegue imaginar que os outros sejam capazes de entendê-lo e de perdoá-lo, uma vez que ele mesmo não consegue entender-se e não é capaz de perdoar-se.

O alcoólatra e o usuário de drogas podem ser levados ao vício por esse sentimento forte de culpa e de perseguição, originados por uma auto-imagem demasiadamente negativa de si mesmos. Exigem demais de si e se cobram perfeição. Consequentemente, não conseguem ter auto-estima. Intimamente julgam-se maus. Imaginam que tudo o que são, pensam, dizem e fazem é mau e, fatalmente, só poderão merecer a perseguição e a destruição por parte dos outros. Inconscientemente, pela bebida ou pelo tóxico, buscam a própria destruição, como por força de um castigo ou de uma sina, contra a qual se sentem impotentes de fazer qualquer coisa, para que dela possam se libertar.

Por José Morelli

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Umbigo

O umbigo tem história na vida de cada um de nós. Ainda no útero de nossa mãe, foi através do chamado cordão umbilical que recebemos os nutrientes necessários ao nosso crescimento e desenvolvimento. Ao nascermos, este cordão foi cortado e amarrado até que cicatrizasse. Passados alguns dias, a parte excedente do cordão caiu, dando origem ao umbigo, propriamente dito. Com isso, desligamo-nos de nossa mãe e ganhamos independência, do ponto de vista físico. Iniciamos a primeira etapa no caminho de nossa autonomia. O umbigo ocupa um lugar central em nosso corpo, ficando ao alcance de nossos olhos e podendo ser visto com relativa facilidade.

Entre as expressões de linguagem encontradas, referentes ao cordão umbilical, temos aquela que nos diz que chega um momento na vida em que devemos cortá-lo definitivamente, significando a necessidade de rompermos os vínculos de dependência que possam nos estar ligando indevidamente a nossos pais, mantendo-nos infantis e impedidos de tornar-nos adultos. Outras duas expressões são aquelas que dizem que não devemos nos centrar em nosso próprio umbigo, indicando uma preocupação egoísta conosco mesmos, e aquela outra que nos recomenda que tomemos cuidado para que não nos consideremos o umbigo do mundo, isto é, o centro de todas as atenções, sujeito apenas com direitos, mas sem obrigações.

Hoje, a moda vem permitindo que o umbigo fique mais em evidência. Há quem até o adorne com piercing, destacando-o ainda mais. É provável que tudo isso seja a expressão da ansiedade dos jovens em adquirirem a própria liberdade e autonomia, bem como do individualismo, que a vida moderna propõe, através da voracidade de tantos apelos de consumo.

Corpo e mente são intimamente relacionados. Todas as partes do corpo são dignas de atenção e de estima. O resgate do umbigo, como parte a ser mostrada e valorizada pela estética da moda, pode ajudar no esforço constante de aproximação entre mente e corpo. Os hábitos são cíclicos. A cada volta deste ciclo são buscadas maneiras novas de expressão da vida por sua magnitude e intensidade. Cabe a cada pessoa escolher a maneira ou maneiras com que pode expressar-se, de modo a espelhar a harmonia com que se relaciona consigo mesma e com os outros.


Por José Morelli

quinta-feira, 5 de julho de 2012

“A raposa e a uvas”

Caminhando debaixo de belas e atraentes parreiras, carregadas de apetitosas uvas, a raposa se rendeu a seus encantos, não resistindo ao impulso de saboreá-las. Começou pois a dar saltos e mais saltos, tentando alcançá-las. No entanto, todos os seus esforços não obtiveram efeito algum. Exausta, não teve outra saída senão desistir de seu intento. Ao afastar-se, conversou consigo mesma, dizendo: "não faz mal que não tenha conseguido alcançá-las, uma vez que as uvas se encontravam verdes, verdes e azedas!" Dessa forma, a raposa acalmou o seu espírito, poupando-se de sofrer duplamente: primeiro, por não ter podido usufruir das uvas, que antes lhe tinham parecido tão saborosas; segundo, pela sensação de fracasso por não ter sido capaz de alcançá-las.

Esta conhecida fábula de Esopo se constitui como um dos mais expressivos exemplos do que vem a ser o mecanismo de defesa, chamado de racionalização. Racionalizar é o mesmo que encontrar razões, justificativas ou explicações que possam fazer convencer do contrário do que a realidade está mostrando, com o intuito de poupar-se de sofrimentos maiores.

Ninguém gosta de sofrer frustrações. A necessidade de ver concretizadas suas expectativas, leva as pessoas a esperarem muito das coisas, dos outros e de si mesmas. A utilização do mecanismo de racionalização é muito mais frequente do que se pode imaginar. Todos os dias, são muitas as situações que o mobilizam. Dependendo da resistência, da capacidade da pessoa de suportar frustrações, esta terá mais ou menos a tendência de utilizá-lo, com o objetivo de se auto-preservar em sua integridade física e/ou psicológica.

Mentir para si mesmo pode ser mais fácil do que mentir para o outro. Quando se tem muito interesse sobre alguma coisa, o risco de se desvirtuar o pensamento é maior. Desconfiar da própria percepção e do próprio juízo, solicitando o parecer de uma outra pessoa, pode ser uma forma de se proteger contra a própria arbitrariedade.

Na medida em que as pessoas amadurecem, tornando-se adultas e responsáveis, aumentam também a própria capacidade de se verem sem medos e sem receios de se decepcionarem consigo mesmas. Ficam menos necessitadas de fazerem uso de mecanismos de racionalização, tornando-se mais verdadeiras consigo mesmas e com os outros.

Por José Morelli